A liberdade é uma das vias mais batidas nos tempos modernos e na sociedade contemporânea. Ganha status privilegiado especialmente a partir da Independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). O conceito di liberdade, porém, quando mal interpretado e mal administrado, pode conduzir-nos a uma verdadeira gaiola: a gaiola de uma vontade fechada dentro do círculo vicioso dos próprios desejos, interesses, instintos, paixões… No fundo, a liberdade entendida como “fazer o que o que se quer”, ou como “buscar a satisfação e o prazer imediato” ou, ainda, como “seguir os impulsos do coração” – costuma desembocar num beco sem saída.
Liberdade, neste caso, torna-se sinônimo de escravidão. O indivíduo encerrado na órbita do egocentrismo, constituinte de toda condição humana, acaba por tornar-se prisioneiro de si mesmo. Expressões como “asfixiado no próprio egoísmo”, “homem velho” ou “mundo do pecado”, entre outras, procuram dar conta desse estado de escravidão. O ser humano vê-se incapaz de romper as cadeias que o aprisionam, incapaz de superar o individualismo para “tornar-se pessoa”, como lembra o título do livro de Carl Rogers. Em termos bíblico-teológicos, o quarto Evangelho joga com as palavras “estar neste mundo, mas não ser deste mundo”. O evangelista opõe não um suposto céu imaculado a uma terra imunda, e sim o pecado à graça, ambos presentes nos embates da única e mesma história. “Reino da luz ao reino das trevas”, ainda de acordo com o simbolismo de João.
O grande desafio, portanto, está no processo de passagem do indivíduo à pessoa. Enquanto o primeiro, pretensamente autosuficiente, gira na órbita da própria vontade, não raro mesquinha e ambiciosa, a segunda cresce e amadurece num sistema de relações. O indivíduo procura desesperadamente “bastar-se a si mesmo”, a pessoa empenha-se num processo eminentemente relacional. Numa palavra, nascemos indivíduos (o que tem a ver com o lado animal de todo ser humano), mas somos chamados a superar a gaiola da solidão que desde a infância nos cerca, construindo passo a passo o caminho de “tornar-se pessoa”. Não é uma tarefa a ser dada por descontada. Ao contrário, requer uma tomada de consciência dos próprios limites e debilidades, para romper, um a um, os laços que nos amarram ao “eu/ego”, naturalmente fechado sobre si mesmo. Tarefa do encontro e do desencontro, do diálogo e do mutismo, do bloqueio e do intercâmbio de valores, sempre cheia de contrastes e recuos. Tarefa que dura todo o percurso da vida humana – do berço ao túmulo, do nascimento à morte. Tarefa árdua, laboriosa, persistente, espinhosa – da qual ninguém sai sem alguns arranhões, feridas e cicatrizes. De fato, ninguém atravessa a floresta da existência de forma ilesa e imune.
Se, por um lado, o indivíduo tem a si mesmo e aos seus desejos imediatos como ponto de referência, a pessoa somente se desenvolve no terreno de uma comunidade viva e ativa. Não somente na esfera da família (que abriga, ainda, fortes tendências a uma centralidade de parentesco), mas no âmibito do confronto com o outro, o estranho, o diferente – ou seja, numa relação dialógica onde o potencial “ser pessoa” gradativamente supera e reveste de luminosidade nova a natureza bruta do indivíduo. Vale lembrar que semelhante processo de “tornar-se pessoa” não se realiza de maneira linear e ininterrupta. Na sua lenta progressividade, há pedras e espinhos no meio do caminho, há subidas e descidas, há avanços e recaídas. A tarefa prossegue até os 99 anos!
Da mesma forma que o indivíduo, a pessoa tem uma determinada meta. Mas diferentemente do indivíduo que tenta a satisfação imediata e instantânea do desejo instintivo, a pessoa busca a felicidade, incluindo em seu horizonte a comunidade e mesmo toda humanidade e o planeta Terra. “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem e praticam a Palavra de Deus”.
Roma, 3 de março de 2016
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs