Quando um sacerdote se torna excessivamente midiático, como ocorre com os padres cantores, sua espontaneidade fica ameaçada. Torna-se um personagem de si mesmo. A fama o sufoca. Entre os sacerdotes que priorizam essa forma de evangelização nutro especial apreço pelos padres Zezinho e Fábio de Melo. Este é um homem aberto, culto, e se esforça para não enxergar no espelho a sua imagem contida nos olhos de seus fãs.
Fábio de Melo reconhece que cometeu uma falha de intolerância religiosa ao ridicularizar a macumba. Com humildade, pediu perdão. De fato, ele expressou a visão preconceituosa da maioria dos católicos frente às tradições religiosas de matriz africana, consideradas por eles meras superstições.
A macumba promove oferendas de alimentos e bebidas, conhecidas como despachos, aos espíritos ou entidades. A pergunta que cabe fazer a nós, católicos, é qual a diferença dos despachos de macumba com as salas de ex-votos nas igrejas? Não seria também mera superstição ofertar a Nossa Senhora ou ao santo protetor réplicas em cera de órgãos e membros cujas curas são atribuídas a milagres ou intervenção divina?
Lembro que na minha paróquia, quando eu era criança, havia cofres para recolher ofertas em dinheiro. Um deles continha a placa “Para as almas”. Ainda hoje me pergunto como as almas embolsavam as ofertas…
Deus não tem religião. Tanto a galinha da macumba quanto o pão da eucaristia são objetos de fé de quem acredita no caráter sagrado da oferenda. O vinho da missa e a cachaça do despacho dependem da crença dos fiéis.
Não é fácil ser tolerante quando se está imbuído de que a religião abraçada é a única admitida por Deus. Ora, a árvore se conhece por seus frutos, frisou Jesus. A boa religião é aquela que suscita tolerância, compaixão, partilha, serviço aos necessitados.
Ainda que eu tenha “uma fé capaz de remover montanhas”, como assinalou o apóstolo Paulo, “e não tivesse amor”, isso não teria o menor valor.
Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Fontanar), entre outros livros.