Texto de Frei Zeca
Nos dias 27 e 28 de fevereiro foi realizado na Casa Comunitária do CESEEP o Encontro de Avaliação do 29º Curso de Verão. Todos os voluntários, entre monitores e equipes de serviços, tiveram no sábado pela manhã uma formação com a filósofa e teóloga Ivone Gebara que nos apresentou o tema “Religiões e emoções no atual contexto histórico do mundo”.
De um modo bem descontraído ela desenvolveu sua assessoria pedindo para que todos colocassem também suas experiências no decorrer da explanação. Já de inicio Ivone afirma que nossos pensamentos se manifestam através de emoções. Enfatiza que “para além dos raciocínios existem as emoções” e que há muito tempo não falamos mais em sentimentos na religião apesar de encontrarmos obras de Teologia que se referem ao sentimento religioso, aos sentimentos de Deus. Assim como também existem Tratados de Ética a partir dos sentimentos religiosos, no entanto, quando todo pensamento teológico passou para uma chave de leitura mais ético-política imaginou-se que os sentimentos tinham desaparecidos. Novamente a assessora reforça dizendo que as emoções não desaparecem porque “os sentimentos são constitutivos de todas as pessoas. Somos emoções, emotividades, raivozidades e perplexidades”.
Ivone alertou que em nossos trabalhos como monitores do Curso de Verão, atividades que não são desconexas do cotidiano, existem um direcionamento racional e afetivo ao mesmo tempo de tal forma que na maioria das vezes nossas emoções nos deixam acreditar que o jeito de vermos o mundo torna-se o jeito mais correto e muitas vezes estamos absolutamente convencidos de que todo mundo deveria ser como nós. “São conflitos entre tendências que muitas vezes se tornam conflitos pessoais, ou seja, conflitos de razões e emoções que estão em jogo”. Por isso as emoções não se trabalham com racionalidades, são processos que precisam entrar na nossa educação e que muitas vezes não estamos atentos a estas questões.
Ligando emoções com religiões
“Quando tenho medo eu me sinto desprotegido, inseguro e daí me apego a algo religioso”, explica Ivone ao dizer que o medo do desconhecido, da violência e até mesmo do novo provocam sensações de insegurança. Como para viver precisamos nos sentir protegidos, esta emoção vai se transformar em sentimento religioso, em experiência religiosa. Passamos, então, do medo para a segurança. Quando realizamos este processo estamos “construindo uma realidade acima da realidade histórica contingente na qual vivemos”.
Diante dos sentimentos de sofrimento, do medo, da doença apelamos para uma saída, apelamos para as religiões. Elas nascem da nossa desproteção, insegurança, medo do desconhecido e da novidade. “O medo é criador de crenças”.
Ivone explica que estamos vivendo hoje uma exacerbação do individualismo, do “eu-achismo”. “Eu acho uma porção de coisas e estou convencido de que o que eu acho é importantíssimo porque a sociedade me faz acreditar, o mundo do consumismo me faz acreditar que eu posso achar um monte de coisa e estar convencido que tenho razão”. Ela afirma que a expansão dos meios de comunicação também exacerba o individualismo, o achismo e o “eu-achismo”, por isso, não aparece à razão que reflete, nem tão pouco a dimensão do bem coletivo. Diante desta situação somos chamados a pensar em situações concretas. “O que precisa ser feito no meu bairro, na minha cidade, no local onde trabalho. O agir a partir de situações concretas tendo que muitas vezes romper com a polarização de ideias e ir para além das discussões ideológicas”. A única maneira de sair da polarização é sentar para discutir e pensar em situações concretas.
De repente nesta atualidade o meu eu, passa a ter uma importância capital. Cada um de nós quer salvar o seu eu, a sua teoria, e quer que todos aceitem não a realidade concreta, mas uma ideia. A minha ideia que é o importante, a minha tradição. Alerta a assessora que nós precisamos nos “despartidarizar, desinstituizar, desideologizar” para que os diferentes grupos humanos sejam respeitados.
Voltar para a realidade e nomear esta realidade para além do “achismo” implica numa reconstituição daquilo do que eu chamo de eu. “Eu não existo sem os outros”, complementa Ivone ao explicar que cada pessoa não é uma entidade isolada e que o mundo é mais do que a opinião individual. “É saber que o eu, não subsiste sozinho, tem os outros, o ar, a água, tantas pessoas que não conhecemos e que sustentam nossas vidas e que trabalham e nos permitem viver. Eu sou uma coletividade”. Enfatiza mais uma vez que precisamos “despolarizar o eu para realizar a sua inclusão no coletivo”.
Conexão com religiões e nascimento delas.
Assim como o medo torna-se um produtor de sentimento de ameaça e as religiões nascem em parte desta experiência. Também podemos ter experiência de beleza, de êxtase, de encantamento. Todas estas situações marcadas como respostas diante destas belezas geram-se também, como resposta, uma teoria religiosa. “A beleza leva muitas pessoas a curiosidade”. A religião é uma ligação entre muitas coisas que são vitais e que tocam a sobrevivência da espécie. O que nos permite estar ligada a humanidade. É a reconexão com o bem comum. Portanto, muito mais que as instituições, religião é esta espécie de percepção da ligação entre a humanidade com a terra, o cosmo. Por isso ela deve provocar emoções além da polarização entre emoções e racionalizações. Cada vez mais neste tempo de polarizações e ideologizações temos que pensar não o que deve ser, o ideal, precisamos desenvolver novas teorias do dever ser, nós precisamos voltar as necessidades básicas de nossos corpos coletivamente. Voltar aquilo que os nossos olhos estão vendo segundo os nossos corpos múltiplos e variados. A exemplo do profeta Ezequiel: “voltem a ter carne e ser sopro de vida”.