Pe Nelito Dornelas
Cresce hoje em muitas pessoas e grupos humanos em todas as partes do planeta uma nova consciência e uma nova cosmovisão. É a consciência de que somos terra, somos água, o ar que infla nossos pulmões, a energia que eletriza nosso corpo, somos animais que pensam, sonham e cuidam, somos parte da natureza, somos criaturas, portanto, somos biomas. Rezar, refletir e discutir sobre os biomas nesta quaresma é falar de nós mesmos, de nossa vida e de nossa espiritualidade.
Somos restos de poeira estelar. O que foi uma estrela, agora somos nós. O que foi uma fruta, agora somos nós. O que foi um legume que acabamos de digerir, agora somos nós. O que foi um animal que acabamos de consumir, agora somos nós. O que é água, agora somos nós. O ar que o outro respirou a pouco, agora infla meus pulmões. Por isso, quando morremos, voltamos ao que somos: 70% água, 30% terra. O que foi um corpo humano, agora é húmus, pó da terra, seiva, folha, flor e fruto.
Não somos anjos e nunca o seremos. Somos humanos, somos um corpo possuído pelo espírito de Deus inflado em nós eu nos eterniza e nos projeta para o retorno à divindade de onde viemos. O nosso corpo é terra, água, ar, energia, é carne. Deus se fez carne, não se fez anjo. Talvez Deus goste tanto do que fez, que resolveu fazer-se o que fez, isto é, criatura, pessoa humana. Deus também se fez terra, água, ar e luz. No resgate supremo da vida, Deus nos promete a ressurreição da carne e não uma natureza angélica. Será o resgate definitivo da materialidade e espiritualidade humanas.
Aspirar, expirar, comer, excretar, beber, suar, são os atos mais corriqueiros do nosso cotidiano. São também as formas mais corriqueiras de nossa interação com a natureza. Aspiramos, expiramos, sem nos darmos conta que respiramos. “O ar que respiro só lembro que aspiro quando ele me falta”[1].
Mas esse animal que pensa difere-se dos outros exatamente pela consciência que tem, por sua capacidade de pensar e conhecer. A morte e a vida que os vegetais apenas vivem, os animais vivem e sentem, o ser humano vive, sente e pensa (Simone Beauvoir). Só nós temos consciência da vida e da morte, da nossa pertença ao mundo e de nossa pertença à natureza. Nós sabemos que sabemos porque temos a faculdade de saber. Por isso, só nós fazemos história. Por isso, nossa responsabilidade pela vida no planeta é indelegável.
Transcendemos os animais não só por nossa capacidade de pensar, mas porque o Criador soprou sobre nós seu o seu espírito. Então somos água, então somos terra, então somos vento, então somos espírito. Por isso, só o ser humano está preparado para “hospedar Deus em si” (Karl Rahner). Nos demais seres criados também podemos “rastrear as digitais de Deus”[2], mas só nós somos sua imagem e semelhança. Entretanto, para Francisco, os animais são irmãos, o sol é irmão, a lua é irmã, a natureza é irmã. E o papa Francisco nos convida a lançar um olhar contemplativo e responsável sobre a Terra, agora entendida como nossa irmã e nossa mãe, a Pachamama dos povos indígenas, assumida pelo própria ONU.
[1] CD “OS Quatro Elementos”: “O AR”. Roberto Malvezzi, Editora Fonte Viva. Paulo Afonso/BA.
[2] Papa João Paulo II.