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Deus no tribunal do mundo – Marcelo Barros

Mesmo quem não é advogado, não pode ficar indiferente ao ver alguém a quem se ama ser tão mal falado. Em tempos de fake-news, as pessoas cujo nome é envolvido em notícias falsas correm para desmascarar a mentira. No entanto, há um nome usado impunemente e não há como impedir. Muito antes de existir internet e guerras de quarta geração nas quais as armas são os meios de comunicação, já o nome de Deus era usado para legitimar ditaduras, justificar colonialismos, provocar violências, guerras e massacres. Na América Latina, ditadores militares tomaram o poder a serviço do império norte-americano e, para garantir os privilégios da elite econômica, usavam o nome de Deus.

Nas eleições presidenciais que o Brasil viveu em 2018, a maioria das pessoas religiosas optou não apenas por um caminho conservador e indiferente à causa dos mais pobres. Mais do que isso: votou na extrema-direita, enquanto a maioria dos ateus e das pessoas sem religião votou na democracia. Grupos evangélicos e pentecostais, com seus pastores, assim como católicos com padres e até bispos votaram conscientemente na proposta da violência, da discriminação e do ódio como caminho político. Já em 1968, o pastor secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas que reúne mais de 300 Igrejas evangélicas e ortodoxas, declarou: “Os cristãos que negam a sua responsabilidade social com os empobrecidos do mundo cometem pecado contra a fé tão grande quanto os que negam a ressurreição de Jesus”. Quem de fora analisa essa realidade só pode dar razão ao cineasta norte-americano Woody Allen quando declara: “Deus deve ser um cara bom, mas os amigos dele, eu não recomendaria”.

O uso do nome de Deus para legitimar o mal é antigo. Tão antigo que, na Bíblia, a primeira palavra que Deus dá quando, no monte Sinai, faz aliança com os hebreus que tinham saído da escravidão, é a ordem: “Não pronuncies o nome divino”. A tradição católica traduziu isso no mandamento: “Não usar o nome de Deus em vão”… Mas quem garante quando o uso do nome divino é em vão ou é justo?”. Durante séculos, em nome de Deus, papas, bispos, padres e pastores justificaram o direito dos impérios europeus colonizarem os povos do sul. Legitimaram guerras e crueldades humanas. Não foi somente na Idade Média que as cruzadas tinham como lema: Deus vult! Deus quer!

Atualmente, o presidente do Brasil repete como bandeira eleitoral a mesma afirmação de Hitler na Alemanha nazista: Deus acima de todos! E uma de suas ministras afirma ter visto Jesus em uma goiabeira. E tanta devoção unida a uma política contra os direitos dos mais pobres e favorável a todo tipo de preconceito só pode gerar em qualquer pessoa crítica um horror a esse deus mesquinho, cruel e discriminador.

No tempo do nazismo, Martin Buber, espiritual judeu, afirmava:

“Nenhuma palavra tem sido tão mal usada e massacrada na história do que o nome de Deus. No entanto, exatamente por isso, não podemos deixa-la assim suja e mal falada. Temos de resgatá-la e devolvê-la ao seu uso correto como expressão de amor gratuito e solidário”.

Paul Tillich, um dos maiores teólogos evangélicos do século XX afirmava:

“O nome da profundidade e do fundo infinito, inesgotável de todo ser é Deus. Esta profundidade é o próprio sentido da palavra Deus. Se vocês virem o que há de mais importante e profundo na cultura e na vida de alguém ou de um povo, vocês estão tocando no mistério da presença de Deus”.

Marcelo Barros,  monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.  

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