“Não se pertube o vosso coração”( Jo 14,1). “Eu vos deixo a paz, eu vos dou minha paz” (Jo 14,27). Duas palavras ligadas ao cotidiano concreto de nossas vidas: perturbação e paz. Se, de um lado, sonhamos, aspiramos e buscamos a paz, de outro, a cada esquina e a cada encontro tropeçamos com a perturbação. Perturbação que se ramifica em várias direções: problemas pessoais, familiares, de trabalho, de saúde; fantasmas que emergem do passado e nos perseguem; ansiedade diante do incógnito, de estranhos ou do futuro. Perturbação que às vezes tem nome de medo e angústia, mágoa e ressentimento, ou ferida mal cicatrizada. Outras vezes se reveste de rancor, ódio, desejo de vingança. Pode ser introspectiva, levando-nos, no silêncio e na solidão, a beber do próprio veneno ou do veneno que outros espalham no ambiente em que vivemos. E pode ser transbordante, desencadeando cenas de discórdia, agressão e violência.
E vem então a ânsia pela paz. Em desespero corremos atrás dela e, não raro, o próprio desespero nos conduz a vias distorcidas e tortuosas. Os apelos da sociedade contemporânea e pressa frenética de encontrá-la contêm, em si mesmos, armadilhas enganosas. De fato, a paz não se confunde com a euforia imediata e aparente. Esta, tal como fogo de palha, logo se extingue. Deixa atrás de si apenas um rasto de cinzas e um gosto amargo na alma. A paz tampouco se confude com o sucesso rápido. Este ilumina o palco da vida com seu brilho fulgurante, mas as luzes cedo se apagam. Deixam uma penumbra nebulosa, impregnada de fumaça, na qual torna-se difícil encontrar nova saída. Menos ainda se pode confundir a paz com a ilusão cega e momentânea. Esta nos mantém por algum tempo de cabeça erguida, mas rapidamente se converte em desilusão. Deixa um sabor de ressaca e saudade, curvando o nosso olhar sobre um pântano arenoso e escorregadio.
O certo é que euforia, sucesso e ilusão – irmãos siameses – não passam de três ondas que oscilam de acordo com a onda da moda. Ou com as circunstâncias de um determinado contexto. Hoje podemos estar navegando na crista da onda, e a felicidade parece sorrir-nos de todos os lados. Os olhos brilham e o riso se alarga num rosto que mais parece um sol sem ocaso. Mas toda onda é passageira, provisória, efêmera. Não pode durar mais do que alguns segundos que, na vida real, podem ser dias, semanas, quando muito alguns anos… Logo se bate contra a rocha ou contra a areia da praia. E inexoravelmente se quebra, deixando vestígios de uma espuma raivosa, esta também momentânea. A contraface da euforia, do sucesso e da ilusão costuma ser o fracasso. Apaga-se o brilho dos olhos, extingue-se o riso, o sol dá lugar à noite escura. Restam o pranto, as lágrimas e o momento de infelicidade, para não falar das esperanças e sonhos quebrados.
Não, a paz não é esse fulgor fugaz como um raio. Pode até comportar momentos semelhantes, mas não se reduz a tais experiências momentâneas. Mais que euforia, sucesso e ilusão, reveste-se de uma alegria oculta, silenciosa e profunda – que poderia ser chamada de serenidade. Repetimos, não o riso fácil e imediato, mas a certeza de que, para além das nuvens sombrias e para além das trevas noturnas, o sol haverá de renascer todos os dias. Como diria o poeta Homero, “os dedos róseos da aurora” banham e vestem de cores vivas cada manhã que desponta no horizonte. “Eu vos dou minha paz” – diz Jesus. Aí está todo segredo e todo mistério. A paz se nutre da fé, da confiança e da esperança de que, quaisquer que sejam as pertubações e turbulências, o Senhor não nos abandona.
Não apesar das tribulações, mas através delas, Deus costura o tecido intrincado de nossa existência. Confere a esta um sentido vivo e misterioso, onde o fio da salvação une os fragmentos aparentemente dispersos de nossa peregrinação terrestre. Não apesar da cruz, mas através dela, Deus noz conduz à glória da ressurreição.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma, 26 de abril de 2016