“Amanhã é dia de festa! Preços especiais! Aproveitem”!
“E Feliz Natal para todos”!
Incansavelmente, Papai Noel se desdobrava,
percorria a loja de cá para lá e de lá para cá,
vinha até a calçada, gritava para a rua, a todos cumprimentava,
abraçava as crianças, saudava os adultos, atraía novos fregueses;
transformara-se numa espécie de mensageiro do amor e da paz:
durante todo o dia distribuía sorrisos e felicidade,
parecia um ser de outro mundo, transbordando de alegria sobre a terra.
Deu meia noite. A loja encerrou o expediente. Era dia Natal!
Então, de dentro daquele Papai Noel, saiu o Severino:
pernambucano, casado, seis filhos, desempregado há mais de ano.
O rosto traduzia cansaço, fome e uma infinita tristeza;
nos pés moídos, o sangue fervia por doze horas ininterruptos de trabalho;
as roupas, puídas e remendadas, flagravam uma sórdida e velha miséria.
Acabara-se a festa, Severino deveria voltar para casa.
Na rua, deparou com grupos no auge do entusiasmo natalino;
janelas e portas sorriam-lhe, profusamente iluminadas,
luzes furavam-lhe os olhos e buzinas os ouvidos.
Acordada, a noite festejava o Grande Dia
e toda cidade fervilhava de comemorações.
Severino continuava a caminhar, sua casa era bem mais longe:
antes de chegar, entrou num boteco e pediu cachaça,
pagou com o cheque da loja – salário de quinze dias de “bico –
que mal deu para saldar a dívida da última compra.
Em casa, Severino sentiu a vida reduzir-se a pedaços:
cozinha e quarto, únicos compartimentos de sua moradia, estavam vazios, desolados;
há muito vinha trocando os móveis e utensílios por comida.
Com os pés “viu” amontoados pelo chão os corpos de sua gente que dormia;
a um canto tropeçou com seis sapatinhos de boca escancarada,
como a pedir um brinquedo a Papai Noel.
Severino olhou suas mãos – vazias!
Um sofrimento sem medida mordia-lhe as entranhas,
um nó de agonia e desespero apertava-lhe a garganta.
“Feliz Natal para todos” – lembrou com lágrimas no pensamento:
e chorou solitariamente, silenciosamente, amargamente…
Mas era Natal, festa do nascimento do Menino Jesus!
Severino congregou a família, reuniu parentes e amigos;
dos cacos de sua dor fez lenha para a “fogueira” da euforia,
com as sobras do pagamento, comemorou o seu Natal:
pobre, sim, mas com muito riso, muita dança, muito canto, e quanta alegria!
Sinal, símbolo e semente do grande e eterno Natal,
a festa sem ocaso da justiça, da solidariedade e da paz.
São Paulo, 21 de dezembro de 2015
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs