Jether, fiel amigo e companheiro do Ceseep
José Oscar Beozzo
Formado em filosofia, teologia, ciências sociais e história social,
é vigário da paróquia São Benedito em Lins/SP e coordenador geral do Centro
Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Ceseep)
Peço licença para retomar algo do que escrevi ao Jether, em 1999, na celebração dos cinquenta anos de casamento com a Lucília, ao preparar-lhes aqui no CESEEP um caderninho-surpresa com palavras de seus amigos e amigas do grupo de Emaús:
“Jether e Lucilia, muito queridos,
Neste caderninho, estão entrelaçadas as bodas de ouro de sua aliança matrimonial e as bodas de prata desta outra aliança que vocês ajudaram a fundar e a construir, a do grupo Emaús.
Vocês não se contentaram em fundar uma única família, mas estiveram associados ao nascimento de tantas outras, sempre num sentido de serviço solidário e ecumênico.
Do lado da Lucilia, a da Creche, com a qual ela colabora com tanto desvelo, e a do grupo de oração, ao qual ela se junta há três décadas.
Do seu lado, Jether, a família de ISAL (Igreja e Sociedade na America Latina), a do CEI (Centro Ecumênico de Informação), que virou depois CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação) que, por sua vez, se desdobrou, em 1994, em Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, ISA (Instituto Socioambiental), Ação Educativa; a da Revista Tempo e Presença, que sob sua batuta, se transformou num marco no panorama editorial sociorreligioso do Brasil; a do CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas); a do Boletim Rede; a do CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais); a do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), às quais, você empresta o entusiasmo do seu coração e o brilho de sua inteligência sensível e prática”.
A outras iniciativas e instituições você prestou, Jether, generosa colaboração, como ao Conselho Mundial de Igrejas – CMI e às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. Desde seu primeiro encontro, em Vitória, no Espírito Santo, em julho de 1975, junto com a comunidade de Taizé e a Igreja Presbiteriana Unida, você contribuiu para o compromisso ecumênico daquela caminhada. Em encontros seguintes, você conseguiu que experiências populares comunitárias de várias igrejas evangélicas enviassem mais de uma centena de delegados aos Intereclesiais, assumindo responsabilidades por grupos e celebrações. Você ficou encarregado de um dos grandes plenários, no VI Intereclesial, em Trindade em Goiás, em 1986, e, para o encontro seguinte, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com dom Mauro Morelli, você associou os evangélicos à preparação e realização daquele Intereclesial, tornando permanente a presença de evangélicos na Ampliada Nacional das CEBs, contribuindo para que florescessem cada vez mais esses laços de compreensão e colaboração nesse fecundo ecumenismo de base.
Foi-me pedido um breve relato da relação do Jether com o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular– CESEEP, outra dessas muitas famílias que ele ajudou a gestar e a se desenvolver. Considero o Ceseep um filho muito especial do Jether, pois seguiu acompanhando-o muito de perto, desde o nascedouro, quando estava ainda em discussão seu projeto de fundação.
Durante os dez primeiros anos, a partir de 1982, foi seu vice-presidente; pelos dez anos seguintes, tornou-se presidente, e prossegue até hoje, depois que se aposentou de suas responsabilidades em muitas de suas outras famílias, como um dos integrantes do Conselho Superior.
Nestes vinte e sete anos, tivemos a graça e o privilégio de contar com a presença, a colaboração e a orientação amiga, fiel e constante do Jether, com seu incentivo e apoio à caminhada do CESEEP. Ao arrastar, de Genebra para o Brasil, seu amigo uruguaio da Igreja Metodista, Julio de Santa Ana, sua esposa Violaine com os filhos, Fernando, Irene e Gonzalo, no início dos anos de 1980, forçou a transformarem em realidade o projeto daqueles que, no grupo de Correas (hoje Emaús), sonhavam com um centro de formação voltado ecumenicamente para a formação dos setores populares nas Igrejas e na sociedade, nos vários países da América Latina e do Caribe.
Jether foi assim o parteiro de uma criança que era desejada e promissora, mas cuja gravidez se prolongava para além do tempo, no ata-e-desata das muitas dificuldades para se encontrar e liberar as pessoas certas, suscitar apoios e consensos, encontrar local, financiamento e finalmente dar forma, carne e osso a um empreendimento que nascia ambicioso com sua abrangência ecumênica, latino-americana e caribenha e sua vontade de seguir as trilhas e inspiração de Paulo Freire no compromisso com a educação popular.
A vontade e o entusiasmo pela proposta não pouparam seus idealizadores de longas e cansativas discussões para definir o caráter da nova instituição, ao mesmo tempo civil e independente, mas com estreitos laços de comunhão e serviço com as Igrejas; com vocação e projeto próprios, mas articulada e em rede com outros centros e instituições ecumênicas no continente latino-americano, procurando não duplicar serviços ou estabelecer concorrência; sediada em São Paulo, no Brasil, mas buscando abraçar toda a América Latina e o Caribe; ecumênica, em sua origem e propósitos, mas devendo lidar com a forte e majoritária presença católica na maioria dos países aos quais queria servir.
Jether foi fundamental para manter os laços com o mundo protestante e assegurar o caráter ecumênico da instituição, no seu espírito, na composição de seus órgãos de direção, na sua equipe executiva, nos seus assessores/as, no conteúdo dos seus programas e cursos. O dia-a-dia do CESEEP foi entregue aos seus dois secretários-executivos – Julio de Santa Ana, como evangélico, e a mim, como católico –, mas Jether sentiu-se sempre como pai e por vezes avô, ou melhor dizendo, como parteiro da instituição que fizera nascer, com responsabilidades bem precisas no seu crescimento e fortalecimento.
Contou sempre com o respeito, apreço e admiração de figuras como o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, que o arrola entre seus amigos, ou de presidentes da CNBB, como dom Aloísio Lorscheider, dom Ivo Lorscheiter e dom Luciano Mendes de Almeida, sempre atentos às suas propostas e opiniões no campo ecumênico, no trato das Igrejas entre si ou no campo de suas responsabilidades face aos desafios da realidade.
Muitos textos, declarações e manifestos eclesiais, sociais e políticos que marcaram a vida de nossas igrejas e do País têm por detrás a discrição do Jether, mas também sua insistência profética de que não podemos, como cristãos, ficar indiferentes à dor e aos sofrimentos humanos, nem às injustiças e desigualdades, nem fugir à responsabilidade em horas desafiadoras e decisivas.
Mesmo morando no Rio de Janeiro, nos vinte anos em que fez parte da Diretoria do CESEEP, nunca faltou a uma reunião ou às assembleias gerais, estando pronto a representá-lo em assembleias como as do Conselho Latino-Americano de Igrejas – CLAI ou do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil – CONIC.
Tinha um modo todo especial de corrigir alguma falha ou omissão nos trabalhos da equipe, apontando sempre um novo rumo que ajudasse a superá-los, sem dar a impressão de impor uma solução e sem humilhar ou desanimar as pessoas.
Demonstrou sempre um especial carinho pela equipe executiva, não só em questões relativas ao trabalho, mas também à saúde, a situações familiares ou financeiras. Sabia encontrar sempre uma palavra de apreço pelo trabalho realizado e de incentivo para novas iniciativas. Suas sugestões vinham carregadas de sabedoria, sem qualquer traço de arrogância, ajudando a aclarar pontos obscuros, a superar conflitos e tensões e a manter viva a esperança.
Vale recordar o especial carinho do Jether para com o Curso de Verão, com o qual passou a colaborar de maneira entusiasmada e generosa, assumindo por muitos anos uma fala inicial sobre o ecumenismo, cuidadosamente preparada por escrito, a cada vez, sem repetir-se, mesmo abordando a mesma temática.
Ali partilhou com as novas gerações toda sua experiência adquirida no chão de sua prática cristã, mas também nas grandes organizações ecumênicas regionais e internacionais; partilhou seu amor à igreja servidora dos pobres e pequenos, comprometida com a herança de Jesus e com sua tarefa de profecia e consolação.
Quando convidado a colaborar em algum evento do CESEEP, Jether nunca foi daqueles que chegavam, davam seu recado e logo iam embora. Chegava de véspera, hospedando-se quase sempre na casa do Hans Born e da Tomiko, amigos de longa data, ou do casal Luiz Eduardo Wanderley e Mariângela ou ficando ainda, por vezes, no Convento dos Dominicanos, bem próximo à PUC de São Paulo, onde vem acontecendo o Curso de Verão há 22 anos.
Terminada sua contribuição, prolongava sua estadia para ouvir algum assessor, percorrer as oficinas, interessar-se pelos trabalhos da secretaria ou da livraria do CESEEP, indo cumprimentar as pessoas ou dar um dedo de prosa.
Seu companheirismo e a paixão pela Bíblia levaram-no a enfrentar longa e desconfortável viagem do Rio de Janeiro até a Diocese de Lins, no interior do estado de São Paulo, para acudir ao Curso Bíblico Ecumênico, iniciativa conjunta do CESEEP, do Instituto Teológico de Lins e da diocese. Ali, para quase mil pessoas na cidade de Getulina, levou sua mensagem com profundidade, leveza e entusiasmo acerca do compromisso ecumênico que deve presidir nossas Igrejas, além de ficar disponível nos intervalos para conversar, dirimir dúvidas, escutar as experiências das pessoas.
Cirurgião-dentista, com pós-graduação em sociologia da educação, professor universitário, não é raro que seja chamado de “Pastor Jether Ramalho”, pois, na verdade, fez do pastoreio de tantas comunidades, grupos e entidades a razão de ser de sua vida, na paixão pela Palavra de Deus, herdada do pai, ele sim pastor, e por sua vida pautada no Evangelho e no que Paulo chamava de preocupação e cuidado com todas as Igrejas.
Sempre foi fácil, prazeroso e enriquecedor trabalhar com o Jether, fosse em Jornadas Ecumênicas por ele organizadas, fosse em reuniões de revisão e planejamento da revista Tempo e Presença, fosse na assessoria aos Intereclesiais das CEBs.
Jether sabe escutar, mas também batalhar por suas ideias e propostas, sendo sempre leal companheiro e parceiro na hora de implementar as decisões tomadas, mesmo que não sejam aquelas de sua preferência inicial. Todos nós do CESEEP devemos ao Jether essa presença generosa e amiga que sempre ultrapassou as exigências formais e institucionais para se tornar a de um irmão e companheiro da mesma aventura e dos mesmos sonhos.
Pessoalmente só posso agradecer a Deus por tê-lo colocado em meu caminho como dom e bênção inestimáveis, junto com a Lucília, sua fiel companheira de sessenta anos de amor, companheirismo e encanto mútuos.
Peço, de novo, licença, para reproduzir as palavras que lhes dediquei em suas bodas de ouro de casamento.
Evangélico testemunho
“Beati pedes apostolorum
nuntiantium pacem,
nuntiantium bonum.”
Jether e Lucilia,
pela vida enamorados,
franciscanamente palmilhastes,
caminhos de simplicidade,
veredas de justiça,
sendas de bondade.
Dos enviados,
bem-aventurados os pés,
que anunciam a paz,
que anunciam o bem.
Na herança paterna,
laicamente renovada,
ecumenicamente vivenciada,
prosseguiu Jether
trilha de evangélico testemunho,
no vasto mundo,
na casa, na igreja,
em Lucília apoiado,
na Palavra sustentado,
na Oração transfigurado.
A casa, de crianças povoastes:
José Ricardo, Luiz Augusto,
Jair Felipe, Maria Judith;
de noras a enfeitastes:
Neide, Lisbeth e Bárbara;
e agora, com netos a coroastes:
Emiliano, Tomás,
André, Gabriel,
Max e Carolina.
Na fé alicerçados,
na fidelidade enraizados,
livres avançastes,
arrastando,
congregando,
consolando,
alentando,
sempre servindo,
e a todos unindo.
Vinho bom,
que ao envelhecer,
rejuvenesce,
prossiga o bíblico casal
carregado de bênçãos,
cheio de esperanças,
prenhe de promessas,
e de vida transbordante.
Na amizade,
gratidão,
comunhão,
admiração