Em carta enviada a todos os bispos do Brasil, a presidência da
CNBB convida os bispos a mobilizarem as suas dioceses em um "dia de
oração e jejum pelo Brasil". E dizem claramente: "o dia sugerido é o 7 de
setembro próximo". A carta é assinada pelo presidente, vice-presidente e
secretário-geral da CNBB e se conclui com um modelo de oração já
publicada por ocasião da recente festa do Corpo e Sangue de Cristo.
Todas as pessoas que buscam viver a espiritualidade
compreendem que os pastores de uma Igreja cristã estimulem o povo de
Deus à oração e, sem dúvida, todos estão de acordo que o Brasil atual
precisa de oração. No entanto, é bom esclarecer: Oração é um termo
genérico. Rezar é orar, mas o termo oração engloba um sentido bem
mais amplo. Na Bíblia, o termo mais próximo do que chamamos de
"oração" é tefillah que significa mais profundamente "serviço do
coração".
No primeiro testamento e na espiritualidade judaica, a oração
mais consagrada, que as pessoas costumam fazer diariamente, é o Shema
Israel. Trata-se de uma oração inspirada no Deuteronômio (Dt 6, 4).
Começa por "Escuta, Israel", o que é mais um chamado ao povo e não
tanto uma palavra dirigida a Deus. Na Bíblia, o povo de Deus fez uma
coleção de suas orações e juntou em um só Livro dos Salmos (Salmo quer
dizer Louvor). Dos 150 salmos, a maioria junta, em uma só conversa, 1. a
pessoa que ora, 2. a comunidade crente e 3. o povo.
Muitos salmos alternam na mesma oração versos dirigidos a
Deus e palavras à comunidade, assim como também denúncias e
acusações aos opressores. Treze salmos não são diretamente para Deus.
São gritos dos oprimidos contra seus opressores (Vejam, por exemplo,
o salmo 2, o salmo 13, o 52, o 73 e assim por diante).
Essa é a espiritualidade que os profetas bíblicos ensinam: nunca
separar a oração do grito dos oprimidos. Quando os sacerdotes reduzem
tudo ao culto, Deus fala pela boca dos profetas: "Eu rejeito as liturgias e
festas de vocês. Tenho horror à fumaça dos incensos" (Is 1, 10 ss). "Eu
detesto as festas que vocês fazem. As celebrações não me agradam se o
direito e a justiça não escorrerem como água e se tornarem uma corrente
poderosa" (Am 5, 21. 24).
Na volta do exílio da Babilônia, um discípulo do profeta Isaías
resume isso em uma oração que diz: "Por causa de Sião, não me calarei.
Por causa de Jerusalém (do povo), não ficarei quieto, até que a justiça
surja como a aurora e a salvação brilhe como uma lâmpada. (…). Sobre
tuas muralhas, Jerusalém, coloquei guardiães. Sentinelas para vigiá-las.
Dia e noite, eles não se calarão. Vocês que estão lembrando as
promessas do Senhor (vocês que rezam), não descansem e não deixem
Deus descansar até que ele restaure o seu povo"(Is 62, 1. 6- 7).
Na realidade brasileira, parece que esses profetas de Deus que
não se calam até que a justiça seja restaurada são os movimentos e
pastorais sociais que vão às ruas no Grito dos Excluídos. É isso que
aprendemos no evangelho de Jesus. Ele disse: "Não é a pessoa que diz:
Senhor, Senhor, que entra no reino dos céus, mas quem faz a vontade do
Pai" (Mt 7, 21). Não podemos resumir aqui tantas palavras de Jesus
contra o modo de orar e a espiritualidade religiosa dos escribas e fariseus
que desligavam a oração da justiça (Mt 6, 5. 7-8; Mc 12, 38- 40).
Diversas vezes, os evangelhos nos mostram Jesus em oração e
em silêncio, durante as noites, como em vigília preparatória para descer
da montanha e se inserir na missão de testemunhar o reino de Deus como
prática de saúde, de integração social e de libertação para os oprimidos.
A nossa oração não pode ser a um Deus tapa-buraco, cuja
função seria preencher os problemas que não podemos ou não sabemos
resolver. Deus não anda esquecido do Brasil e nem precisa que o
lembremos de suas obrigações. Certamente, somos nós que não estamos
cumprindo bem as nossas responsabilidades, como pessoas de justiça e
solidariedade. Não seria sincero manifestar atitudes ambíguas em relação
aos poderosos de plantão e depois pedir a Deus que venha corrigir os
erros e maldades que os mesmos poderosos executam.
Não podemos propor oração, jejum e silêncio no dia 07 de
setembro, sem deixar claro que é para preparar o Grito dos Excluídos.
Caso contrário, seria desmoralizar a oração, voltando a fazer como os
antigos sacerdotes e escribas do templo um tipo de oração que Jesus
criticou. Propor oração sem compromisso social claro e como inserção no
meio dos pobres e dos seus gritos por justiça é usar o nome de Deus como
a tal bancada que se diz evangélica está fazendo no Congresso. Nesse 07
de setembro, nossa oração deve tomar a forma do 23º Grito dos/as
Excluídos/as que tem como tema “Vida em primeiro lugar!” e como lema
“Por direitos e democracia, a luta é todo dia”.
Marcelo Barros