Carta de apoio ao Papa Francisco
Querido Papa Francisco,
Somos muitos na América Latina, no Caribe e noutras partes do mundo que acompanhamos com preocupação a oposição e os ataques que lhe fazem minorias conservadoras, mas poderosas de dentro e de fora da Igreja. Perplexos, assistimos a algo inusitado nos últimos séculos: a tomada de posição de alguns cardeais contra o seu modo de conduzir o Sínodo e, mais que tudo, a Igreja Universal.
A carta estritamente pessoal, dirigida ao Sr. foi vasada para a imprensa, como já havia sucedido com sua encíclica Laudato Si’, em clara violação dos princípios de um jornalismo ético.
Tais grupos postulam uma volta ao modelo de Igreja do passado, concebida mais como uma fortaleza fechada do que como “um hospital de campanha sempre aberto para acolher quem lhe bata às portas”; Igreja que deverá “procurar e acompanhar a humanidade de hoje não com portas fechadas, o que trairia a si mesma e a sua missão e que, em vez de ser uma ponte, se tornaria uma barreira”. Estas foram suas corajosas palabras.
As atitudes pastorais do tipo de Igreja proposto em seus discursos e em seus gestos simbólicos se caracterizam pelo amor caloroso, pelo encontro vivo entre as pessoas e com o Cristo presente entre nós, pela misericórdia sem limites, pela “revolução da ternura” e pela conversão pastoral. Esta implica que o pastor tenha “cheiro de ovelha” porque convive com ela e a acompanha ao longo de todo o percurso.
Lamentamos que tais grupos, o mais que fazem é dizer não. Recordamos a esses nossos irmãos as coisas mais óbvias da mensagem de Jesus. Ele não veio dizer não. Ao contrário, ele veio dizer sim. São Paulo na segunda Epístola aos Coríntios nos recorda que “o Filho de Deus sempre foi sim, porque todas as promessas de Deus são sim em Jesus” (2 Cor 1,20).
No evangelho de São João, Jesus afirma explicitamente: ”Se alguém vem a mim eu não o mandarei embora” (Jo 6,37). Podia ser uma prostituta, um leproso, um teólogo medroso como Nicodemos: a todos acolhia com amor e misericórdia.
A característica fundamental do Deus de Jesus, “Abba”, é sua misericórdia ilimitada (Lc 6,36) e seu amor preferencial pelos pobres, doentes e pecadores (Luc 5,32; 6,21). Mais que fundar uma nova religião com fieis piedosos, Jesus nos veio ensinar a viver e a realizar a mensagem central do Reino de Deus, cujos bens são: o amor, a compaixão, o perdão, a solidariedade, a fome e sede de justiça e a alegria de todos sentirem-se filhos e filhas amados de Deus.
Os intentos de deslegitimar seu modo de ser bispo de Roma e Papa da Igreja universal, guiando-se mais pela caridade do que pelo direito canônico, mais pela colegialidade e pela cooperação do que pelo exercício solitário do poder serão vãos, porque nada resiste à bondade e à ternura das quais o Sr. nos dá um esplêndido exemplo. Da história aprendemos que, onde prevalece o poder, desaparece o amor e se extingue a misericórdia, valores centrais da sua pregação e da de Jesus.
Neste contexto, face à nova fase planetária da história e às ameaças que pesam sobre o sistema-vida e o sistema-Terra corajosamente apontadas em sua encíclica Laudato Si’sobre “o cuidado da Casa Comum” queremos cerrar fileiras ao seu redor e mostrar nosso inteiro apoio à sua pessoa e ministério, à sua visão pastoral e aberta de Igreja e à forma carismática pela qual nos faz sentir novamente a Igreja como um lar espiritual. E são tantos de outras igrejas e religiões e do mundo secular que o apoiam e o admiram pelo seu modo de falar e de agir.
Não é destituído de significação o fato de que a maioria dos católicos vive nas Américas, na África e na Ásia, onde se constata grande vitalidade e criatividade em diálogo com as diferentes culturas, mostrando vários rostos da mesma Igreja de Cristo. A Igreja Católica é hoje uma Igreja do Terceiro Mundo, pois somente 25% dos católicos vivem na Europa. O futuro da Igreja se decide nessas regiões onde sopra fortemente o Espírito.
A Igreja Católica, não pode ficar refém da cultura ocidental que é uma cultura regional, por maiores méritos que tenha acumulado. É preciso que se des-ocidentalize, abrindo-se ao processo de mundialização que favorece o encontro das culturas e dos caminhos espirituais.
Querido Papa Francisco: o Sr. participa do mesmo destino do Mestre e dos Apóstolos que também foram incompreendidos, caluniados e perseguidos.
Mas estamos tranquilos porque sabemos que o Sr. assume tais tribulações no espírito das bem-aventuranças. Suporta-as com humildade. Pede perdão pelos pecados da Igreja e segue as pegadas do Nazareno.
Queremos estar ao seu lado, apoiá-lo em sua visão evangélica e libertadora de Igreja, conferir-lhe coragem e força interior para nos atualizar, por palavras e gestos, a Tradição de Jesus feita de amor, de misericórdia, de compaixão, de intimidade com Deus e de solidariedade para com a humanidade sofredora.
Enfim, querido Papa Francisco, continue a mostrar a todos que o evangelho é uma proposta boa para toda a humanidade, que a mensagem cristã é um força inspiradora no “cuidado da Casa Comum” e geradora de uma pequena antecipação de uma Terra reconciliada consigo mesma, com todos os seres humanos, com a natureza e principalmente com o Pai que mostrou ter características de Mãe de infinita bondade e ternura. Ao final, poderemos juntos dizer: “tudo é muito bom”(Gn 1,31).
Querido Papa Francisco:
En América Latina, en Brasil y en el Caribe y en otras partes del mundo somos muchos los que seguimos con preocupación la cerrada oposición y los ataques que le hacen minorías conservadoras, pero poderosas, desde dentro y fuera de la Iglesia. Perplejos, hemos presenciado algo inusitado en los últimos siglos: la rebelión cardenales conservadores contra su modo de conducir el Sínodo y, sobre todo, la Iglesia Universal.
La carta estrictamente personal, dirigida a Usted, fué vasada a la imprensa como anticipadamente la encíclica Laudato Si’ en clara violación los principios de un periodismo ético.
Tales grupos conservadores postulan una vuelta al modelo de Iglesia del pasado, concebida como una fortaleza cerrada más que como «un hospital de campaña con las puertas abiertas para acoger a quien llama»; Iglesia que deberá «buscar y acompañar a la humanidad de hoy, con las puertas abiertas, ya que con las puertas cerradas se traiciona a sí misma y a su misión y, en vez de ser puente, se convierte en barrera». Estas fueron sus valientes palabras.
Las actitudes pastorales del tipo de Iglesia propuesto en sus discursos y en sus gestos simbólicos se caracterizan por el amor cálido, por el encuentro vivo entre las personas y con Cristo presente entre nosotros, por la misericordia sin límites, por la “revolución de la ternura” y por la conversión pastoral. Esto implica que el pastor tenga “olor a oveja”, porque convive con ella y la acompaña a lo largo del camino.
Lamentamos que tales grupos conservadores, lo que más haden, es decir no. No a la comunión de los divorciados vueltos a casar; no al reconocimiento de los homoafectivos; no a cualquier apertura al mundo que implique cambios sustantivos.
Tenemos que recordar a estos hermanos las cosas más obvias del mensaje de Jesús. Él no vino a decir no. Al contrario, él vino a decir sí. San Pablo, en la segunda epístola a los Corintios, nos recuerda que “en el Hijo de Dios todo ha sido sí… porque todas las promesas de Dios son sí en Jesús” (2Cor 1,20).
En el Evangelio de San Juan, Jesús dice explícitamente: “Si alguno viene a mí yo no le rechazaré nunca” (Jn 6,37). Podía ser una prostituta, un leproso, un teólogo temeroso como Nicodemo: a todos acogió con su amor y su misericordia.
La característica fundamental del Dios de Jesús, “Abba”, es su misericordia sin límites (Lc 6,36) y su amor preferencial por los pobres, los enfermos y los pecadores (Lc 5,32; 6,21). Más que fundar una nueva religión con feligreses piadosos, Jesús vino a enseñarnos a vivir y a realizar los bienes de su mensaje central, el Reino de Dios, que son: el amor, la compasión, el perdón, la solidaridad, el hambre y sed de justicia y el hacernos sentir hijos e hijas amados de Dios.
Los intentos de deslegitimar su modo de ser Obispo de Roma y Papa de la Iglesia universal serán vanos, porque nada se resiste a la bondad y a la ternura de las que Usted nos da un ejemplo espléndido. Por la historia sabemos que cuando prevalece el poder, como a ellos les gustaría que prevaleciese, desaparece el amor y se extingue la misericordia, valores centrales de su predicación y de la de Jesús.
En este contexto, nosotros cristianos abiertos a los desafíos del mundo actual, ante la nueva fase planetaria de la historia y las amenazas que pesan sobre el sistema-vida y el sistema-Tierra, valientemente señaladas en su encíclica Laudato Si’ sobre “el cuidado de la Casa Común”, queremos cerrar filas a su alrededor y mostrar nuestro total apoyo a su persona y a su ministerio, a su visión pastoral y abierta de Iglesia y a la forma carismática por la cual hace que sintamos nuevamente a la Iglesia como nuestro hogar espiritual. Y tanta gente de otras Iglesias y religiones y del mundo secular lo apoyan y lo admiran por su manera de hablar y de actuar.
No es destituido de significación el hecho de que la gran mayoría de los católicos viva en las Américas, en África y en Asia, donde se constata una gran vitalidad y creatividad en diálogo con las distintas culturas, mostrando múltiples rostros de la misma Iglesia de Cristo. La Iglesia católica es hoy una Iglesia del Tercer Mundo, pues sólo el 25% de católicos vive en Europa. El futuro de la Iglesia se juega en estas regiones donde el Espíritu sopla con fuerza. No darse cuenta de este hecho es seguir siendo eurocéntrico y vaticanocéntrico.
La Iglesia Católica no puede ser rehén de la cultura occidental, que es una cultura regional, por grandes que sean los méritos que haya acumulado. Es necesario que se desoccidentalice, abriendose al proceso de mundialización que favorece el encuentro de culturas y caminos espirituales.
Querido Papa Francisco: Usted participa del destino del Maestro y de los apóstoles, que también fueron malentendidos, calumniados y perseguidos.
Pero estamos tranquilos porque sabemos que Usted asume tales tribulaciones según el espíritu de las bienaventuranzas. Las soporta con humildad. Pide perdón por los pecados de la Iglesia y sigue los pasos del Nazareno.
Queremos estar a su lado, apoyarle en su visión evangélica y liberadora de la Iglesia, darle coraje y fuerza interior para actualizarnos, con palabras y gestos, la tradición de Jesús hecha de amor, de misericordia, de compasión, de intimidad con Dios y de solidaridad con la humanidad que sufre.
En fin, querido Papa Francisco, siga mostrándonos a todos que el evangelio es una propuesta buena para toda la humanidad, que el mensaje cristiano es una fuerza inspiradora en el “cuidado de la Casa Común” y generadora de una pequeña anticipación de una Tierra reconciliada consigo misma, con todos los seres humanos, con la naturaleza, y en especial con el Padre que mostró tener características de Madre de infinita bondad y ternura. Al final, juntos podremos decir: “todo es muy bueno” (Gn 1,31).
A REALIDADE SOCIOPOLÍTICA BRASILEIRA:
DIFICULDADES E OPORTUNIDADES
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília de 27 a 29 de outubro de 2015, comprometido com a vivência democrática e com os valores humanos, consciente de que é dever da Igreja cooperar com a sociedade para a construção do bem comum, manifesta-se acerca do momento de crise na atual conjuntura social e política brasileira.
A permanência e o agravamento da crise política e econômica, que toma conta do Brasil, parecem indicar a incapacidade das instituições republicanas que não encontram um modo de superar o conflito de interesses que sufoca a vida nacional, e que faz parecer que todas as atividades do país estão paralisadas e sem rumo. A frustração presente e a incerteza no futuro somam-se à desconfiança nas autoridades e à propaganda derrotista, gerando um pessimismo contaminador, porém, equivocado, de que o Brasil está num beco sem saída. Não nos deixaremos tomar pela “sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre” (Papa Francisco – Alegria do Evangelho, 85).
Somos todos convocados a assegurar a governabilidade que implica o funcionamento adequado dos três poderes, distintos, mas harmônicos; recuperar o crescimento sustentável; diminuir as desigualdades; exigir profundas transformações na saúde e na educação; ampliar a infraestrutura, cuidar das populações mais vulneráveis, que são as primeiras a sofrer com os desmandos e intransigências dos que deveriam dar o exemplo. Cada protagonista terá que ceder em prol da construção do bem comum, sem o que nada se obterá.
É preciso garantir o aprofundamento das conquistas sociais com vistas à construção de uma sociedade justa e igualitária. Cabe à sociedade civil exigir que os governantes do executivo, legislativo e judiciário recusem terminantemente mecanismos políticos que, disfarçados de solução, aprofundam a exclusão social e alimentam a violência, entre os quais o estado penal seletivo, as tentativas de redução da maioridade penal, a flexibilização ou revogação do Estatuto do Desarmamento e a transferência da demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional. No genuíno enfrentamento das atuais dificuldades pelas quais passa o país, não se pode abrir espaço para medidas que, de maneira oportunista, se apresentam como soluções fáceis para questões sabidamente graves e que exigem reflexão e discussão mais profundas com a sociedade.
A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso comum entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético e moral de favorecer a busca de caminhos que recoloquem o país na normalidade. É inadmissível alimentar a crise econômica com uma crise política irresponsável e inconsequente.
Recorde-se que “uma sociedade política dura no tempo quando, como uma vocação, se esforça por satisfazer as carências comuns, estimulando o crescimento de todos os seus membros, especialmente aqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade ou risco. A atividade legislativa baseia-se sempre no cuidado das pessoas” (Papa Francisco ao Congresso dos EUA). Nesse sentido, com o espírito profético inspirado na observância do Evangelho, a CNBB reitera que o povo brasileiro, os trabalhadores e, principalmente, os mais pobres não podem ser prejudicados em nome de um crescimento desigual que reserva benefícios a poucos e estende a muitos o desemprego, o empobrecimento e a exclusão.
A construção de pontes que favoreçam o diálogo entre todos os segmentos que legitimamente representam a sociedade é condição fundamental para a superação dos discursos de ódio, vingança, punição e rotulação seletivas que geram um clima de permanente animosidade e conflito entre cidadãos e grupos sociais. Esse clima belicoso, às vezes alimentado por parte da imprensa e das redes sociais, poderá contaminar ainda mais os corações e mentes das pessoas, aprofundando abismos e guetos que, historicamente, maculam nossa organização social. Ao aproximar-se o período eleitoral de 2016, é responsabilidade de todos os atores políticos e sociais, comprometidos com a ética, a justiça e a paz, aperfeiçoarem o ambiente democrático para que as eleições não sejam contagiadas pelos discursos segregacionistas que ratificam preconceitos e colocam em xeque a ampliação da cidadania em nosso país.
A corrupção se tornou uma “praga da sociedade” e um “pecado grave que brada aos céus” (Papa Francisco – O rosto da misericórdia, n.19). Acometendo tanto instituições públicas, quanto da iniciativa privada, esse mal demanda uma atitude forte e decidida de combate aos mecanismos que contribuem para sua existência. Nesse sentido, destaca-se a atuação sem precedentes dos órgãos públicos aos quais compete combater a corrupção. A contraposição eficaz à corrupção e à sua impunidade exige, antes de mais nada, que o Estado cumpra com rigor e imparcialidade a sua função de punir igualmente tanto os corruptos como os corruptores, de acordo com os ditames da lei e as exigências de justiça.
Deus nos dê a força e a sabedoria de seu Espírito, a fim de que vivamos nosso ideal de construtores do bem comum, base da nova sociedade que almejamos para nós e para as futuras gerações.
Brasília, 28 de outubro de 2015.