Leia a entrevista completa que frei Betto concedeu ao UOL na qual ele destaca a necessidade de que o PT faça uma uto critica e volte para os pilares fundamentais que defendia. “O PT precisa, urgentemente, fazer uma séria autocrítica. E tentar recuperar seus três capitais simbólicos perdidos: ser o partido de organização da classe trabalhadora, ser o partido da ética e ser o partido das reformas estruturais do Brasil. Fora disso, o PT estará condenado a integrar a geleia geral da estrutura partidária brasileira”.
Frei Betto fez ainda uma dura crítica ao governo. “Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos sociais – que lhe deram origem – na hora de apagar incêndios. Não valorizou os movimentos sociais, como valorizou os empresários; pouquíssimo fez em defesa da reforma agrária, dos povos indígenas e dos quilombolas; mantém uma carga tributária altamente prejudicial ao consumidor pobre; constrói Belo Monte e outras hidrelétricas sem respeitar as populações locais, sobretudo indígenas e ribeirinhos; aprovou um Código Florestal vergonhoso para um país que fala em preservação ambiental etc”
– O ex-presidente Lula pode assumir a vaga de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma. Como o senhor vê este fato? Acha que ele funciona como uma espécie de “salvador da pátria”, podendo reverter o quadro pró-impeachment?
Frei Betto: Não penso que Lula foi chamado em função da possibilidade de impeachment. O governo Dilma está sem rumo e Lula, devido ao êxito de seus dois mandatos, foi convocado para tentar salvá-lo. Por outro lado, como tem muita habilidade política e de negociação – o que falta a Dilma – sem dúvida ele já contribui para evitar o impeachment. Ainda que não lhe permitam virar ministro, ele passa a ser, de fato, o primeiro-ministro…
– Diante das opções cogitadas pela oposição ao governo Dilma, como impeachment, renúncia e novas eleições, o que o senhor avalia como o mais provável? Qual o impacto disso na situação política do Brasil até 2018?
FB: Entre as vozes das ruas e as das urnas, fico com as últimas. Embora crítico do governo Dilma, sobretudo pelo excessivo ônus do ajuste fiscal sobre o segmento mais pobre da população, julgo que qualquer interrupção do mandato da presidente é golpe branco, como já ocorreu em Honduras e Paraguai. E se o governo não completar seu mandato até 2018 abriremos um precedente que favorecerá, em mandatos futuros, permanente instabilidade política.
– O senador Aécio Neves considerou “utópica” essa ideia de novas eleições. Dilma chegou a dizer que precisaria primeiro convencer o Congresso. O sr. acha a proposta factível?
FB: Dilma diz e repete que não renuncia. Ora, se aceitar antecipar novas eleições estará, de fato, renunciando. E isso significará um reconhecimento público, por parte do PT, de que ele fracassou na condução deste país. O governo tem ainda dois anos e oito meses pela frente. Se o PT fizesse autocrítica e redefinisse os rumos do governo, implementando reformas estruturais que sempre prometeu e nunca realizou, o mandato da Dilma e a credibilidade do partido ainda teriam esperança de recuperação.
– O senador Cristovam Buarque defende que seria bom para o PT voltar a ser oposição. O senhor também acredita nesta avaliação?
FB: Desde que Caim matou Abel, ninguém quer largar o osso do poder. Vide o PMDB: consegue a proeza de manter um pé no governo e o outro na oposição… Assim, tenta garantir o presente e o futuro. O PT só voltará à oposição se assim exigirem as urnas.
– A imagem do PT com o eleitorado sofreu um considerável desgaste diante dos escândalos mais recentes. O senhor imagina a possibilidade de uma recuperação do partido?
FB: Ás vezes tenho a impressão de que a ficha do estrago até agora não caiu para o PT. Seus dirigentes presos, são culpados ou inocentes na opinião do partido? A política econômica do governo é de Dilma ou do partido? Como sugerem Tarso Genro e Olívio Dutra, o PT precisa, urgentemente, fazer uma séria autocrítica. E tentar recuperar seus três capitais simbólicos perdidos: ser o partido de organização da classe trabalhadora, ser o partido da ética e ser o partido das reformas estruturais do Brasil. Fora disso, o PT estará condenado a integrar a geleia geral da estrutura partidária brasileira.
– O PMDB apoiou oficialmente o governo federal por 13 anos, antes de anunciar seu rompimento neste ano. Como o senhor vê o futuro do partido?
FB: O PMDB é o único partido com futuro garantido nessa institucionalidade política viciada por fisiologismo, nepotismo e corrupção. Se ficar, o bicho toma posse; se correr, assume o poder… Enquanto não houver uma séria reforma política, o PMDB será o grande fiel da balança desse circo chamado Congresso Nacional brasileiro.
– A esperada ‘guinada à esquerda’ do PT ainda é alcançável? Ainda é possível uma conciliação do partido com uma pauta mais ligada a movimentos sociais?
FB: Julgo que é muito difícil. Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos sociais – que lhe deram origem – na hora de apagar incêndios. Não valorizou os movimentos sociais, como valorizou os empresários; pouquíssimo fez em defesa da reforma agrária, dos povos indígenas e dos quilombolas; mantém uma carga tributária altamente prejudicial ao consumidor pobre; constrói Belo Monte e outras hidrelétricas sem respeitar as populações locais, sobretudo indígenas e ribeirinhos; aprovou um Código Florestal vergonhoso para um país que fala em preservação ambiental etc. Enfim, o PT no governo agarrou o violino com a esquerda e tocou com a direita… Embora eu considere os dois primeiros mandatos de Lula e o primeiro de Dilma os melhores de nossa história republicana.
– Diante de um processo de impeachment e tantos escândalos de corrupção, qual o caminho para a esquerda brasileira se viabilizar numa próxima eleição?
FB: Que esquerda? Cadê o trabalho de base, a formação de novos militantes, o projeto histórico? Milhões de brasileiros, desde 2013, ocupam as ruas para fazer protestos, e não para trazer propostas! Sem proposta alternativa ao que está aí, fundada em programa consistente de reformas estruturais, o Brasil não tem futuro, exceto o risco de passar do Estado de Direito para o Estado da direita.
– Se Dilma conseguir evitar o impeachment, como governar com uma base tão fragilizada?
FB: Vejo apenas uma saída: fazer o que fez Evo Morales na Bolívia, que hoje conta com o apoio do Congresso, da população e do mercado; apoiar-se em seus pilares de origem, os movimentos sociais. Fora disso, temo que queira recompor sua base política à base da receita tradicional do toma lá, dá cá – e não faltarão deputados federais e senadores que, no dia seguinte à reprovação da proposta de impeachment, estarão na fila do beija-mão na porta do Planalto.
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