Acaba de encerrar-se, em Roma, a reunião sobre os abusos sexuais dentro da Igreja. Ali tiveram voz sobretudo as vítimas, que foram ouvidas com toda abertura e transparência. O Papa, presente durante toda a reunião, ouviu as acusações com dor e respeito e, ao final, comprometeu-se ao declarar que a Igreja “não se cansará de fazer tudo que for necessário para levar à justiça qualquer um que haja cometido abusos sexuais” e “nunca tentará encobrir ou subestimar nenhum caso”.
Os 190 representantes da Igreja Católica presentes à reunião comprometeram-se juntamente com o Papa a assumir a mesma atitude e comportamento. Fica claro agora diante do mundo inteiro que a Igreja está consciente da chaga que leva em seu interior na questão de abusos a menores e quer combatê-los com todos os recursos de que dispõe. Além disso, deseja assumir uma atitude de transparência com os fatos e tolerância zero para com os abusadores, seja quem for e que cargo ocupem.
Francisco chama a atenção para o fato de o crime de abusos sexuais a menores ser “universal e transversal”. Citou, para respaldar o que dizia, vários relatórios de instituições internacionais e institutos de pesquisa. Deixou claro, no entanto, que “isso não diminui sua monstruosidade dentro da Igreja”. O fato de tais crimes acontecerem dentro da Igreja é mais grave, porque contrasta e entra em rota de colisão com a autoridade moral e a credibilidade ética, porque a mensagem de que os religiosos são portadores provém do Evangelho de Jesus Cristo, em quem a comunidade cristã reconhece o próprio Deus encarnado.
É realmente muito triste e assustador que em nossa sociedade as crianças, os seres mais indefesos e vulneráveis, estejam expostos e indefesos, ameaçados até mesmo no seio de suas famílias. E que tantos, ao procurarem a Igreja como lugar de paz, amor e crescimento espiritual e moral, tenham se deparado com agressões corporais e psicológicas que as marcaram para sempre.
Na verdade, os abusadores gostam da sombra, do silêncio. Perpetram seus crimes na calada da noite e no silencio de ambientes considerados seguros e não controlados. Alguns ameaçam as vítimas de perseguições e morte se falarem. No caso dos clérigos abusadores, quer me parecer que jamais cogitaram que as vítimas terminassem falando. O respeito e mesmo a veneração, sobretudo em países católicos como os nossos latino-americanos, pela figura do sacerdote ainda é forte, mesmo em tempos de secularização como aqueles que vivemos.
Mas o silêncio foi quebrado, o tumor deixou correr seu líquido viscoso e asqueroso. Graças a isso, pode-se iniciar um caminho de tratamento e cura. E é isso o que pretende a Igreja liderada por Francisco: escutar, tutelar, proteger e cuidar dos menores abusados. Também punir os culpados uma vez comprovada a acusação. O próprio Papa declara estar disposto a levar à justiça qualquer um que haja cometido tais crimes.
Apesar de toda a dor que esses acontecimentos representam para nós que amamos a Igreja e nos sentimos membros dela, é inegável que esta reunião e suas conclusões nos trazem uma profunda esperança. A comunidade eclesial, pela boca de sua cabeça visível que é Francisco, declarou publicamente o caminho que pretende tomar. E este caminho é o da transparência, da escuta respeitosa das vítimas, das medidas claras e concretas para punir culpados e defender inocentes.
Cabe agora, parece-me, por parte da sociedade e da opinião pública, tomar com seriedade essa atitude da Igreja. É legítimo e necessário estar atento e verificar se as medidas profiláticas são realmente aplicadas, denunciando quando não o são. Importa também apoiar com respeito uma instituição que tem a coragem de expor-se assim e rever tão radicalmente seus procedimentos.
Que o mesmo Espírito da verdade que animava Jesus de Nazaré assista Francisco e a Igreja neste momento de conversão. A Quaresma que começará em breve é um tempo propício para reconhecimento de culpas e mudanças de vida. É imperativo voltar ao Evangelho, que diz: “só a verdade liberta” e “da boca das crianças Deus faz sair o verdadeiro louvor”. Que a inocência da infância e da adolescência possa encontrar novamente na Igreja lugar de abrigo e proteção, e não de perigo e agressão.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença (Editora Rocco)