Artigo originalmente publicado no jornal O Globo.
Em abril deste ano, o Banco Mundial divulgou relatório com o subtítulo “Quando os sonhos encontram a realidade”. Ali admite que os anos 2003 a 2014 foram de bonança para a América Latina. Período em que o continente era majoritariamente governado por partidos progressistas, cujas economias se fortaleceram favorecidas pelas exportações de commodities e programas sociais adotados.
O número de pessoas que viviam com menos de US$ 5,5 por dia (R$ 21 ou menos de R$ 630 ao mês) caiu 45,6% em todo o continente. No Brasil, 39,6 milhões de pessoas saíram da pobreza no período, graças ao aumento de empregos e a programas sociais, como o Bolsa Família.
O relatório, contudo, menciona que, entre 2014 e 2017, a pobreza no Brasil voltou a crescer três pontos percentuais, ou seja, em apenas três anos 7,4 milhões de pessoas retornaram à pobreza na época em que o governo abraçou um rumo mais neoliberal.
A partir de então, a situação social de nosso país só se agravou e atingiu a alarmante cifra de 13 milhões de desempregados. Para sair da crise, o Banco Mundial recomenda tudo que os nossos governos não têm feito nos últimos três anos: diversificar a economia; modernizar a indústria; investir em inovação; aprimorar o sistema educacional; e reduzir a dependência do país aos ciclos de commodities. E aconselha que, em momentos de crise, sejam adotadas medidas como o seguro-desemprego.
Também em abril deste ano, a Oxfam Brasil, em parceria com o DataFolha, divulgou o resultado de intrigante pesquisa de opinião pública, feita em fevereiro: 86% dos brasileiros consideram que o progresso do país depende de políticas de redução da desigualdade entre ricos e pobres, questão até agora ignorada pelo governo Bolsonaro. Ou seja, o Estado precisa, sim, interferir na questão social. No entanto, 57% não acreditam que a desigualdade será reduzida nos próximos cinco anos, embora 77% sejam favoráveis ao aumento de impostos dos mais ricos para financiar políticas sociais.
Há décadas estão parados no Congresso projetos para taxar as grandes fortunas, como proposto pelo artigo 153 da nossa Constituição. Os mais ricos gozam de mais isenções de impostos e, proporcionalmente, pagam menos que os mais pobres. Em 2018, as isenções atingiram a cifra de R$ 908 bilhões. A Oxfam registra que, ano passado, cinco brasileiros possuíam uma fortuna igual à soma da renda de 105 milhões de brasileiros, metade da população do país. São eles: Jorge Paulo Lemann, Joseph Safra, Marcel Hermann Telles, Carlos Alberto Sicupira e Eduardo Saverin.
O que é preciso para ter uma vida melhor? Dois em cada 3 brasileiros responderam: “fé religiosa”, “estudo” e “acesso à saúde”. É curioso assinalar que a renda não foi apontada como prioridade. Apenas 8% citaram “ganhar mais dinheiro”.
Em relação às mulheres, 64% concordam que elas têm renda menor do que os homens, enquanto 52% acreditam que os negros ganham menos do que os brancos por serem negros. A convicção de que o preconceito continua arraigado em nossa cultura é muito forte, pois 72% estão convencidos de que a cor da pele influi na contratação pelas empresas, e 81% de que os negros sofrem mais abordagens policiais do que os brancos.
Embora a realidade, infelizmente, não desminta os dados acima, é louvável constatar que 86% dos brasileiros discordam da opinião de que mulheres não devem trabalhar fora, e sim se dedicar aos cuidados dos filhos e da casa.
O brasileiro, contudo, é otimista. Embora 65% se localizem nas categorias “classe média baixa” ou “pobre”, 70% acreditam que dentro de cinco anos estarão entre a “classe média” ou a “classe média alta”. Dentre os que têm renda mensal individual de até 1 salário mínimo, 68% acreditam que estarão entre as classes médias até 2024.
Os que admitem que nos últimos cinco anos foram rebaixados de classe social são 17%. As causas são perda de renda da família (43%); desemprego (39%); educação insuficiente (20%) e por habitarem em locais inapropriados (12%). Para 74% um jovem cujo endereço fica na periferia tem menos chance de obter um emprego.
São dados preocupantes e que retratam bem a nossa realidade. Resta nos convencermos de que governo é como feijão, só funciona na panela de pressão.
Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.