Na terceira semana de setembro, Vaticano e China chegaram a um acordo quanto aos 12 milhões de católicos que vivem no mais populoso país do mundo. Desde 1951 estavam rompidas as relações entre os dois estados. O Partido Comunista chinês acusou o Vaticano de ingerência externa, e exigiu que bispos e fiéis católicos ingressassem na Associação Patriótica Católica, controlada pelo governo.
Os prelados que se submeteram foram excomungados pelo papa Pio XII. Os que se recusaram, presos ou obrigados a se refugiarem nas catacumbas. A Igreja Católica dividiu-se entre a comunidade oficialmente aceita pelo Estado, sem vínculos com Roma, e cujos bispos eram nomeados pelo governo, e a clandestina, fiel ao primado pontifício.
Para coroar o processo, o papa Francisco reconheceu sete bispos indicados anteriormente pelas autoridades chinesas. Segundo o Vaticano, o acordo “cria as condições para uma colaboração bilateral mais ampla” e ambos estados manifestam o desejo de que “este acordo fomente um processo de diálogo institucional frutífero e contribua positivamente para a vida da Igreja Católica na China, o bem do povo chinês e a paz no mundo.”
Graças ao entendimento, agora os católicos chineses terão bispos em comunhão com Roma, e também reconhecidos pelas autoridades do país. E o governo da China suspende a perseguição e o encarceramento de vinte bispos consagrados por Roma e obrigados a atuar clandestinamente.
Francisco é jesuíta. A China foi evangelizada, no século 16, por um jesuíta, Matteo Ricci, que tanto se aculturou que adotou o nome chinês de Li Madou. Desde a revolução comunista de 1949 as relações com o Vaticano se deterioraram. De um lado, a perseguição ateísta que considerava bispos e padres agentes de uma potência estrangeira… De outro, a inabilidade diplomática do Vaticano que, clandestinamente, consagrava bispos e ordenava padres sem suficiente preparo teológico, a ponto de alguns ensinarem que os católicos creem em três deuses, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Em outubro de 1988, visitei a China como integrante da delegação brasileira da Teologia da Libertação. Percorremos oito províncias do país. Dialogamos sobre liberdade religiosa com autoridades chinesas, e também com bispos da Igreja Patriótica. Alguns dos prelados nos confidenciaram que, no íntimo, permaneciam em comunhão com Roma, conforme descrevo em “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco, 2015).
Enquanto João Paulo II optou pelo enfrentamento com as autoridades chinesas, dificultando a reaproximação, Francisco preferiu a via do diálogo. Precavido, evitou receber o Dalai Lama para não sofrer manipulação da parte do fundamentalismo anticomunista. Assim, logrou importante conquista pastoral neste acordo muito mais favorável do que o assinado outrora pelo Vaticano com a ditadura de Franco, na Espanha, que tinha o direito de vetar a nomeação de bispos escolhidos por Roma. Agora, o governo chinês será informado sobre os nomes dos candidatos ao episcopado, mas sem direito a voto e a veto.
Desde a entrevista transcrita no livro “Fidel e a religião” (Fontanar, 2016), na qual, em 1985, o líder da Revolução Cubana abordou positivamente o fenômeno religioso, o mundo socialista se abriu ao diálogo com as Igrejas cristãs. A queda do Muro de Berlim, em 1989, pôs fim ao ateísmo de Estado e restabeleceu a liberdade religiosa nos países reintegrados ao mundo capitalista.
Falta agora levar à prática a proposta de Francisco, de uma Igreja livre das amarras do dinheiro e comprometida com a conquista do direito de todos terem acesso aos três T: terra, trabalho e teto.
Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Anfiteatro), entre outros livros.