Com o título “Saúde Mental: Um Chamado à Ação na Esfera Pública”, o teólogo, pós-doutor em psicologia e escritor Fernando César Paulino Pereira, iniciou sua fala apontando que o sistema de saúde mental brasileiro é o segundo melhor do mundo, com destaque para Campinas, que ocupa o primeiro lugar no país. Essa posição, entretanto, não deve ser vista como um resultado em si mesmo, mas como fruto de esforços coletivos contínuos. “Tudo isso precisa ser pensado, construído e cuidado coletivamente”, pontuou.
Ele enfatizou que a saúde mental não pode ser tratada como uma questão isolada. É necessário abordar as desigualdades sociais, econômicas e políticas que afetam diretamente o bem-estar psíquico das pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade extrema. Paulino mencionou grupos historicamente marginalizados, como pessoas em situação de rua, LGBTQIA+, mulheres vítimas de violência, idosos e migrantes, reforçando que o sofrimento psíquico é agravado em contextos de exclusão social. “Sem acesso aos bens mínimos para a manutenção da vida, ninguém estará com a saúde mental em dia”.
O papel da Psicologia Social Comunitária
O ponto central da palestra foi a importância da Psicologia Social Comunitária como abordagem crítica e transformadora para enfrentar os desafios da saúde mental. Segundo Paulino, essa vertente da psicologia é essencial para a construção de soluções que vão além da terapia individual, e promove a conscientização, a cooperação e a transformação social.
A Psicologia Social Comunitária busca integrar as demandas locais às práticas de cuidado, considerando a complexidade dos determinantes sociais, como classe, etnia, gênero e orientação sexual. Para isso, é fundamental o diálogo entre os saberes técnico e popular. Paulino ressaltou que os profissionais da saúde mental precisam estar próximos da comunidade, valorizando sua autonomia e protagonismo. “Todo psicólogo tem que ir onde o povo está e não se contentar em ser um ‘personal psí de madame’”, brincou.
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é estratégica para a organização dos serviços de saúde mental no Brasil. Essa rede integra diferentes níveis de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS), como Atenção Básica, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), atenção hospitalar e estratégias de desinstitucionalização, garantindo fluxos contínuos de cuidado.
Paulino elogiou a multiplicidade da RAPS, que permite a adaptação às realidades locais e a construção de soluções colaborativas. Ele ressaltou que as comunidades devem ser protagonistas nesse processo. “A comunidade local é quem melhor conhece suas necessidades e pode apontar as alternativas para buscar qualidade de vida. É preciso confiar no discernimento dessa população para identificar seus problemas e encontrar soluções originais”, disse.
A Saúde Mental como luta e transformação social
O professor enfatizou várias vezes na sua fala a importância da construção coletiva. Mencionou todas e todos os profissionais e amigos/as com os quais atua na tecitura dessa rede de cuidados. Para a apresentação da manhã de hoje também não foi diferente. Contou com a participação da psicóloga, pesquisadora de relações raciais e ancestralidade e militante social nas áreas de saúde mental, juventude, mulheres e direitos humanos, Cinthia Cristina da Rosa Vilas Boas, que, com sua alegria e entusiasmo aportou o papel da imaginação e da memória coletiva como elementos fundamentais para a construção da saúde mental. “A imaginação é essencial para criar conexões, resistir às adversidades e transformar realidades”, provocou.
Ela também chamou a atenção para o impacto das novas tecnologias na subjetividade humana. Embora essas ferramentas tenham potencial para ampliar as conexões sociais, elas também podem criar novas formas de isolamento e sofrimento psíquico. Nesse contexto, a atuação das redes de atenção é ainda mais necessária para fortalecer vínculos e promover uma saúde mental coletiva.
As palavras de Fernando Paulino e Cinthia Vilas Boas reforçaram a relevância do tema da saúde mental no debate público e a necessidade de aliança entre profissionais de saúde, pastorais, serviços, movimentos e comunidades como cruciais para enfrentar os desafios contemporâneos e para a elaboração de políticas públicas que atendam de fato as realidades locais.
A saúde mental não se limita à prevenção ou ao tratamento clínico. Ela é, acima de tudo, uma luta pela transformação social. “É impossível ser feliz sozinho”, afirmaram citando a importância das conexões humanas e da justiça social como pilares para o bem-estar psíquico.
“Saúde mental é luta, é resistência, é arte, é criar conexões. Não devemos sair das ruas enquanto os direitos humanos não forem plenamente estabelecidos. Essa é a nossa missão”, finalizou Paulino, deixando um chamado claro à ação coletiva e ao engajamento contínuo.
Texto: Renata Garcia
Fotos: Fernando Lopes e Jonas Tadeu A. Pinto
Equipe de Comunicação CV2025