Por Angelica Tostes
(04 a 12 de março de 2023)
No dia 04 de março, teve início o Curso Latino-Americano de Pastoral e Relações de Gênero do CESEEP, com uma mística de abertura que apresentou o corpo como um território sagrado, onde a vida se manifesta em sua plenitude. Reconhecemos que nossos corpos são feitos da terra, da água, do fogo e do ar, elementos que nos compõem e nos conectam com a natureza ao nosso redor. O corpo é um território que foi marcado pela história da colonização, da opressão e da exploração. Mas também é um território de resistência, de luta e de libertação. Com essa compreensão, iniciamos o curso com a participação de representantes de Cuba, Bolívia, Argentina e diversas regiões do Brasil, que enriqueceram o debate e a construção de saberes e sabores a partir da Educação Popular.
Logo no domingo tivemos a oportunidade de explorar um pouco da cidade de São Paulo, onde embarcamos em diversos ônibus para visitar o Museu das Favelas, localizado no centro da cidade, que proporciona uma experiência única ao tensionar a presença das favelas no coração da metrópole. Uma das exposições que chamou a nossa atenção foi a FAVELA-RAIZ, que consiste em uma ocupação-manifesto, composta por cinco partes, sendo três internas e duas externas. A exposição nos conduz aos fundamentos da formação da identidade das pessoas que habitam esses territórios, explorando temas como a ancestralidade, o papel das mulheres, a força do trabalho e os abrigos materiais e afetivos. Ao mergulharmos na exposição, fomos levados a refletir sobre a rica cultura e história desses espaços urbanos, que muitas vezes são marginalizados e desvalorizados pela sociedade. Através de diversas instalações e obras de arte, pudemos compreender a importância das favelas como espaços de resistência e expressão cultural, que contribuem significativamente para a diversidade e riqueza da cidade de São Paulo.
Para o início do nosso curso, no dia 06 de março, tivemos o privilégio de receber a presença marcante de Maria Maranhão. Além de ser uma contadora de histórias renomada, ela é também uma professora e educadora brincante, uma poeta repleta de arte e sensibilidade. Com sua vasta experiência, ela trouxe para o grupo uma integração em ritmos brasileiros, latinos e de diferentes cantos do mundo, unindo culturas e tradições. A manhã foi preenchida com saberes populares
compartilhados por Maria Maranhão, que encantou a todos com suas histórias cativantes e suas poesias inspiradoras. Ela também nos guiou em danças circulares, onde pudemos experimentar a alegria e a harmonia de movimentos em conjunto, unidos pelo ritmo da música e pela energia positiva que emanava do ambiente. Mas, mais do que isso, Maria Maranhão nos ensinou sobre o valor do cuidado mútuo e da empatia. Ela nos convidou a nos conectarmos uns com os outros de forma mais profunda, cultivando a escuta ativa e a compaixão. Foi uma manhã enriquecedora e inspiradora, que nos deixou motivados e entusiasmados para o restante do curso.
Cecília Franco, teóloga e ex-coordenadora de cursos do CESEEP, nos presenteou com uma reflexão construída colaborativamente sobre a Espiritualidade Libertadora, envolvendo muitas pessoas e seus corpos. Em sintonia com o compromisso ecumênico e dialógico dessa abordagem, como apontado por Faustino Teixeira em um texto compartilhado por Cecília, a experiência de Deus permite que vivamos mais intensamente e abracemos a vida incondicionalmente. A espiritualidade libertadora é uma abordagem que busca libertar as pessoas de opressões e injustiças por meio de uma conexão profunda com o divino e com os outros seres humanos. Ela enfatiza a ação transformadora no mundo e a busca por justiça social como uma expressão da fé. É importante mencionar que a Espiritualidade Libertadora como uma prática que não se limita às crenças religiosas tradicionais, mas pode ser vivida por pessoas de diversas tradições espirituais e até mesmo por aqueles que não têm nenhuma crença religiosa.
Durante o curso, os participantes tiveram a oportunidade de compartilhar suas experiências e práticas em seus territórios. Essa partilha foi uma oportunidade para que todos pudessem aprender uns com os outros e conhecer diferentes abordagens e movimentos envolvidos na promoção da espiritualidade libertadora. Alguns participantes apresentaram suas pastorais e o trabalho realizado em suas comunidades, destacando as ações transformadoras que estavam sendo implementadas. Outros compartilharam suas experiências em movimentos sociais e como a espiritualidade libertadora os inspira a lutar por justiça em suas comunidades. Essa partilha foi uma oportunidade para que todos pudessem se inspirar uns nos outros e pensar em novas formas de promover a busca dos direitos humanos em seus contextos locais.
Mariana Pasqual, do Coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular, doula, terapeuta em Ginecologia Natural, Educadora popular e facilitadora de processos restaurativos, nos ajudou com temas de Corporalidades, Educação Popular e Sistematização de Experiências. Como Rubem Alves aponta, o corpo é nosso ponto de partida, assim Mariana começou a nos provocar, compreendendo a corporalidade como uma forma de entender o corpo humano enquanto uma construção social e cultural. O termo busca desnaturalizar a ideia de que o corpo é algo dado e imutável, e mostra como as relações sociais e históricas moldam a forma como entendemos e vivemos o corpo. Ao pensar na corporalidade, é importante lembrar que o corpo não existe isolado, mas sim em relação a outros corpos e espaços. No entanto, o corpo também é o local onde as formas de dominação atuam. A colonização, por exemplo, atuou primeiramente no corpo dos colonizados, por meio de violência, estupro e outras formas de opressão. A dicotomia entre corpo e alma, e entre natureza e cultura, também são formas de dominação que buscam separar e hierarquizar o corpo em relação a outras dimensões da vida. É preciso, então, criar um sistema de emancipação múltiplo para combater os diversos sistemas de dominação que atuam sobre o corpo. A luta pela libertação dos corpos matáveis é fundamental para construir um mundo mais justo e igualitário.
Para isso, temos a Educação Popular, um dos pilares do CESEEP, é uma prática pedagógica que surgiu na América Latina e tem como objetivo promover a emancipação e transformação social por meio da educação. Ela se baseia na ideia de que o conhecimento deve ser construído de forma coletiva e que todas as pessoas, independentemente de sua condição social, têm algo a contribuir. Já a Sistematização de Experiência é uma metodologia que tem como objetivo refletir e analisar de forma crítica as experiências de Educação Popular, a fim de construir conhecimentos coletivos a partir delas. Essa metodologia é importante para garantir que as experiências de Educação Popular não se percam e possam ser compartilhadas e utilizadas por outras pessoas e grupos.
A luta por justiça de gênero é uma luta global e devemos nos unir em um espírito de ecumenismo nessa senda. A diversidade de perspectivas e experiências nos torna mais fortes e capazes de enfrentar os desafios que ainda enfrentaremos. A turma do Curso Latino-Americano de Pastoral e Relações de Gênero de 2023 renovou o compromisso de lutar por justiça de gênero, através do ecumenismo libertador e valorizando a vida das mulheres em todo o mundo, e caminhou ao lado das mulheres na luta do 8 de março na Avenida Paulista.
A análise de conjuntura realizada pelos grupos durante o curso foi uma ferramenta importante para compreender os contextos históricos, sociais e econômicos de cada país – Brasil, Cuba, Bolívia e Argentina – a partir da dimensão de gênero e política. Os participantes puderam analisar de forma mais ampla e profunda as relações de poder e seus impactos na vida das mulheres e suas lutas por direitos. A abordagem permitiu identificar as desigualdades de gênero e as estratégias políticas utilizadas pelas mulheres para combatê-las, além de compreender as dinâmicas políticas e os desafios enfrentados pelas mulheres em cada país.
Wagner Lopez, diretor geral do CESEEP e professor da PUC-SP, contribuiu com o curso ao aprofundar as temáticas do ecumenismo e diálogo inter-religioso. Ele explorou as dimensões do cotidiano da fé, a múltipla pertença religiosa e as formas de ecumenismo e posicionamentos, incluindo o exclusivismo, inclusivismo e pluralismo religioso. Dessa forma, os participantes puderam entender melhor o que é o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, bem como as diferentes abordagens e perspectivas relacionadas a esses temas. O ecumenismo e o diálogo inter-religioso são fundamentais para a construção de uma sociedade mais inclusiva e tolerante, onde as pessoas possam viver em paz e respeito mútuo, independentemente de suas crenças religiosas.
Angelica Tostes, teóloga feminista, cientista da religião e coordenadora auxiliar de cursos do CESEEP, conduziu uma sessão de estudo sobre a relação entre gênero, espiritualidade e corpo, usando a abordagem da Leitura Popular e Feminista da Bíblia. O texto em questão foi Juízes 19, que conta a história do terrível crime contra uma concubina em Gibeá. Durante a sessão, os participantes foram desafiados a refletir sobre se essa violência ainda acontece nos dias de hoje e como essa dimensão se manifesta na atualidade, considerando áreas como economia, psicologia, política e teologia. Utilizando a metodologia VER-JULGAR-AGIR, os cursistas foram capazes de construir reflexões críticas e engajadas a partir da leitura do texto bíblico e das questões contemporâneas relacionadas ao gênero e à espiritualidade.
Na Festa Latino-Americana, os participantes vindos de Cuba, Bolívia e Argentina trouxeram à mesa pratos típicos de suas regiões e compartilharam um pouco de suas culturas, vivências, danças e ritmos. Foi um momento de muita alegria e comunhão, que permitiu uma maior aproximação entre os participantes e a valorização da diversidade cultural presente no continente latino-americano.
No encerramento da semana, os participantes do curso foram em uma excursão pela cidade de São Paulo, que incluiu visitas à Praça da Sé e ao Pateo do Colégio, dois importantes marcos históricos da cidade. Em seguida, foram ao Parque do Ibirapuera para visitar o Museu Afro, a fim de conhecer melhor a história e as culturas afro-brasileiras e suas contribuições para a cidade. Durante a excursão, os participantes tiveram a oportunidade de observar as desigualdades presentes na cidade, bem como as carências e potenciais de seus diferentes territórios e corpos habitantes. Além disso, puderam observar as resistências e lutas dos movimentos sociais presentes na cidade, que buscam transformar essa realidade desigual e promover a justiça social.