Exmo. Senhor Juiz,
Dr. Haroldo Silva da Fonseca
Juiz de Direito Titular da 5ª Região Agrária, Redenção – Pará
Meritíssimo Senhor Juiz,
Na semana em que pranteamos o falecimento de Dom Moacyr Grecchi, arcebispo emérito de Porto Velho RO, um denodado defensor da regularização fundiária no norte do Brasil, da garantia dos direitos dos trabalhadores rurais, povos indígenas, ribeirinhos, posseiros, seringueiros e um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e seu presidente por oito anos, dirigimo-nos com confiança ao Sr.
Nós do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – CESEEP, um centro de formação popular, latino-americano e de caráter ecumênico, temos acompanhado, com muita preocupação e tristeza os desdobramentos da tragédia ocorrida na Fazenda Santa Lúcia, com o Massacre de Pau D’Arco, no dia 24 de maio de 2017.
Neste episódio, uma trabalhadora e nove trabalhadores rurais tiveram suas vidas covardemente ceifadas durante uma ação da polícia. Estes crimes inserem-se num histórico de violência no campo. Nas últimas quatro décadas, ocorreram no Brasil, 49 massacres, 28 dos quais no estado do Pará. Destes, 22 aconteceram nas regiões sul e sudeste do estado.
Na raiz desta violência, está a concentração da terra e a impunidade dos crimes praticados contra os trabalhadores/as rurais.
Os conflitos pela posse da terra nas regiões sul e sudeste do Pará agravaram-se ainda mais com as decisões do governo Bolsonaro de suspender a tramitação de todos os processos de desapropriação, compra e arrecadação de terras públicas para assentar novas famílias e de incentivo a grileiros e fazendeiros para se armarem com o intuito de expulsar, ao arrepio da lei, famílias de lavradores sem terra destas áreas em disputa.
Essas regiões do Pará enfrentam hoje, uma onda de despejos por ordem dos juízes das Varas Agrárias de Marabá e Redenção. Em ações que aí tramitam, mais de 3 mil famílias estão na lista para serem despejadas, de mais de 20 fazendas. Muitas dessas famílias aí residem por mais de 10 anos, cultivam essas terras mansa e pacificamente, tirando delas o seu sustento.
Cerca de 150 fazendas ocupadas por famílias sem terra nestas regiões, ainda aguardam a solução dos conflitos por parte do governo federal. Dentre estas áreas, encontra-se a fazenda Santa Lúcia, ocupada por 200 famílias, cujo suposto proprietário, concentra terras em extensão superior à do município de Belo Horizonte, MG.
No dia 25 de junho de 2019, está marcada uma Audiência Pública na Vara Agrária de Redenção PA, para tratar da retirada/despejo das famílias.
Senhor Juiz, qual o destino destas famílias que estão trabalhando na terra, produzindo alimentos e afirmando a sua dignidade, enquanto cidadãos e cidadãs?
Diante da falta de clareza acerca da regularidade fundiária da Fazenda Santa Lúcia, existindo a forte probabilidade de que o título apresentado não corresponda ao conjunto da área da fazenda, questiona-se: enquanto não se esclarece esta pendência, o que é social e humanamente justo? A área permanecer na mão de uma única família, ou nas mãos das 200 famílias que daí tiram o seu sustento produzindo alimentos?
Pelo Direito à Vida, ao Trabalho e à Justiça,
que a liminar de reintegração de posse da Santa Lucia, seja suspensa; que as famílias possam permanecer na terra, aí morando e trabalhando em paz, até o cabal esclarecimento da pendência acerca da titularidade fundiária da área.
Atenciosamente,
Pe. José Oscar Beozzo
Coordenador geral do CESEEP
São Paulo, 21 de junho de 2019