Nesses dias, assistimos a Venezuela resistir heroicamente aos ataques do Império norte-americano e à guerra de desinformação que os órgãos de comunicação oferecem contra o que acontece nesse país irmão. Por isso, é importante lembrar a herança que Simon Bolívar nos deixou e a proposta atual do Bolivarianismo para a Venezuela e que pode ser presente divino para todo o continente.
No início do século XIX, Simon Bolívar reuniu um exército para libertar os povos do continente da dominação do império espanhol e integrar os diversos países que se foram unindo em uma única pátria grande. Criou a República da Grande Colômbia que unia Venezuela, Equador, Bolívia, Chile, Peru e a atual Colômbia. Respeitava a autonomia de cada povo, integrado na confederação. Chegou a ajudar no Caribe a consolidação da independência do Haiti, primeiro povo libertado das Américas (1809).
Na Venezuela, durante toda a sua história, o ideal bolivariano sempre foi aceito e admirado por pessoas de todas as classes e de diversas correntes políticas. No entanto, a elite de todos os países sempre encontra formas de pensar a independência para os ricos, mas não para todos. No mundo, a Venezuela é o segundo maior produtor de petróleo (logo abaixo do Golfo Pérsico). Durante quase duzentos anos, uma pequena elite dominou a Venezuela, entregando o petróleo do país aos Estados Unidos. A Venezuela, rica em petróleo, terra maravilhosa em diversidade de regiões e climas, sofria com imensa desigualdade social.
Desde as últimas décadas do século XX, sob a liderança de Hugo Chávez, o bolivarianismo ressurgiu como proposta de um novo Socialismo democrático e com rosto latino-americano. Esse movimento de retomada dos ideais do Libertador assumiu três metas importantes: 1 – A integração de todos os povos e estados latino-americanos. 2 – A libertação de todos os colonialismos. 3 – A redução das desigualdades sociais na direção de um novo Socialismo democrático e a partir dos mais pobres.
Na primeira década desse século, mesmo adversários do governo bolivariano, reconheciam que nunca na Venezuela nenhum governo fez tanto pelos mais pobres. O governo implementou um plano de educação para todos, habitação digna e reforma agrária para os lavradores. Um profundo respeito e maior protagonismo social para as comunidades indígenas e afrodescendentes. Maior igualdade de gênero e complementariedade entre homem e mulher.
O governo bolivariano nacionalizou a maior riqueza do país, o petróleo. Determinou que todo o lucro vindo da venda do petróleo servisse à educação, construção de moradias e saúde da população mais pobre do país. Em 2002, a FAO declarou a Venezuela como país livre da fome e do analfabetismo. Dois anos depois, a ONU reconheceu oficialmente que a Venezuela Bolivariana tinha conseguido o índice de menor desigualdade social na América Latina.
A elite que deixou de lucrar 400 % ao ano e o Império que perdeu sua hegemonia no continente não se conformaram. Principalmente, depois da morte do presidente Chávez (2013), a luta do Império e da elite venezuelana contra o bolivarianismo se acentuou. Comerciantes bloqueiam mercadorias e o Império construiu um bloqueio econômico para asfixiar o país, além da desinformação e todo tipo de mentiras contra o governo bolivariano. O resultado é um país dividido e extremamente violado pela guerra comercial desonesta e pela propaganda. Apesar de toda essa violência e da realidade difícil que os pobres enfrentam, o povo resiste heroicamente e o governo democrático ganha todas as eleições.
A respeito da integração latino-americana, em julho de 2011, em Caracas, liderados pelo presidente Hugo Chávez, 33 representantes de países irmãos criavam oficialmente a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) que reúne 33 países da América do Sul, América Central e Caribe em um caminho de cooperação solidária, integração continental e autonomia frente ao Império.
O Império norte-americano financiou a vitória da direita em vários países latino-americanos e colaborou diretamente com o golpe que derrubou a democracia no Brasil. Assim, os organismos de integração latino-americanos foram destruídos ou simplesmente ignorados. No Brasil, na Argentina e em outros países, governantes voltam a bater continência à bandeira do Império e a ele entregar de graça todas as nossas riquezas.
Para irmãos e irmãs solidários com a Venezuela e que desejam a integração latino-americana, posso testemunhar duas coisas:
1 – A primeira é que defender o Bolivarianismo não é apenas defender o governo venezuelano. É assumir uma proposta que vem das bases do povo, das comunidades indígenas e afrodescendentes. Em uma de suas circulares, dirigidas a um grupo de amigos e auxiliares, já em 1965, na época do Concílio e escrevendo em Roma, Dom Helder Camara defendia o Bolivarianismo, ao qual o papa Francisco também já aludiu com simpatia.
2 – Mesmo quem tem críticas ao governo venezuelano pode saber que a oposição atual na Venezuela é dez vezes pior em todos os aspectos do que o governo que ela combate e a eventual vitória da oposição fecharia para toda a América Latina qualquer possibilidade de autonomia diante do império norte-americano.
Por tudo isso, é responsabilidade de quem nutre uma espiritualidade libertadora, assumir mesmo que seja criticamente um apoio aos movimentos libertadores latino-americanos.
Em 1815, Simon Bolívar, o libertador da pátria grande que é a América do Sul, em sua “Carta de Jamaica”, considera o elemento religioso como aglutinante da alma americana e formula “a necessidade urgente de uma união de nossos povos, ligados por elementos culturais e religiosos comuns”. Assim, 236 anos depois do nascimento de Simon Bolívar, nesse 24 de julho, com todo o coração e nossa solidariedade ao povo da Venezuela, somos convocados/as para gritar: Viva Simon Bolívar, viva o Bolivarianismo!
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.