Em 1934, a editora Cruzeiro do Sul, do Rio, publicou “Hitler e seus comediantes – o despertar da Alemanha”, de autoria do futuro embaixador José Jobim, então correspondente de O Globo naquele país. Jobim foi “suicidado” pela ditadura militar, no Rio, em 1979, ao ameaçar denunciar as falcatruas na construção da usina de Itaipu, agora de novo em foco.
A Alemanha, destroçada pela Primeira Grande Guerra (1914-1918), viu em Hitler um salvador da pátria. Jobim registra: “Os hitleristas prometeram acender o fogão de todos os alemães. Para isso, necessitavam do apoio das mulheres. E, paradoxalmente, a melhor maneira que encontraram para atraí-las foi insultá-las. Houve já quem dissesse que os três Kas – “Kuche” (cozinha), “Kirche” (igreja) e “Kinder” (filhos) – são todo o programa feminista do nacional-socialismo. As mulheres sabem disso e, entretanto, o apoiam.”
Como explicar esse apoio?
“Num país onde há milhões de desempregados, sem nenhuma esperança séria de resolver o problema, a mulher desiludiu-se com a democracia e deu ouvidos ao Fuehrer que lhe prometeu um lar.”
Jobim escreve:
“O nazismo não aprecia a inteligência. Despreza-a. É infindável a lista dos aposentados, demitidos, afastados e perseguidos nas letras, ciências e artes. Nas ciências, o caso mais conhecido é o de Einstein, culpado dos crimes de ser judeu e sábio. Suas obras foram queimadas nas fogueiras da Universidade de Berlim.”
“Outros autores foram escolhidos para a fogueira. Os autores das obras pacifistas, das poesias e novelas sociais cujos nomes encarnam o melhor da Alemanha democrática. Foram-se os livros de Thomas Mann e Heinrich Mann, Leonhard Frank, Magnus Hirschfeld, Jacob Wassermann, Stephan Zweig, Bertold Brecht, Alfred Doeblin e Th. Plivier.”
“Quando ouço a palavra cultura, engatilho o meu revólver” – esta frase, repetida à exaustão por Goebbels, na verdade é da peça “Schlageter”, de Hanns Johst, intelectual de esquerda que aderiu a Hitler. Segundo Jobim, “o único escritor nacional-socialista legível”.
A respeito dos jovens escritores alemães, o autor reproduz as palavras de seu amigo Gorkin:
“Assistiram ao triunfo do nacional-socialismo em atitude fatalista. ‘Que importa?’, perguntaram-se. Como defender os princípios democráticos se não acreditavam neles? Logo começaram a pagar as consequências de sua indiferença. O nacional-socialismo respondeu ao seu fatalista ‘que importa?’ queimando suas obras nas praças públicas. Arderam no fogo de seus próprios livros os últimos lampejos de liberdade e rebeldia de toda uma geração intelectual.”
“Depurar, transformar, hitlerizar!”, escreve Jobim.
“É a preocupação que se manifesta em todos os domínios: educação, moda, patriotismo. O novo ensino superior desprezava, por inútil, o sânscrito. Mas um sábio explicou ao ministro da Educação que o sânscrito era a língua sagrada dos brâmanes, dos arianos da Índia. E pronto! O sânscrito passou a ser gênero de primeira necessidade.”
Jobim salienta em seu livro:
“Os leitores dos jornais servidos pela Agência Brasileira estiveram durante muito tempo convencidos de que o Reichstag (parlamento alemão) fora mesmo incendiado pelos comunistas. As crônicas que enviei da Europa narrando os verdadeiros debates das audiências do processo do Reichstag desmoralizaram os despachos da agência hitlerista no Rio. O Globo encontrou, porém, grande dificuldade para publicá-las. A censura alegava, para cortá-las, a necessidade de não perturbar as boas relações de amizade que o Brasil deve manter com a Alemanha. Não podia, eu, entretanto, ser mais sereno. Minhas crônicas diferiam das de qualquer um jornalista a soldo da Legação alemã apenas pela honestidade com que eram escritas.”
Pela sua trágica atualidade, a obra de José Jobim sobre a ascensão do nazismo merece ser republicada no Brasil. Qualquer semelhança com o período atual do nosso país não é mera coincidência. Eis um autor à procura de editora.
Frei Betto é escritor, autor de “O marxismo ainda é útil?” (Cortez), entre outros livros.