“Ninguém larga a mão de ninguém” se tornou palavra de ordem nos grupos e movimentos sociais diante da demência assassina que, em nosso país, se tornou forma de governo. A decisão de estar juntos pode ser como caminhada de companheiros na mesma luta, mas pode também ser mais profunda, ao tomar a expressão de aliança de amizade. A amizade afetuosa é gratuita e tem em si mesma sua razão de ser. No entanto, em uma sociedade marcada pelo desvínculo e por uma cultura que torna as pessoas imunes umas às outras, a amizade se torna também projeto sócio-político que aponta para outra forma de viver em sociedade.
Em muitos países, o 14 de fevereiro é um dia importante para as pessoas apaixonadas e para os amigos. O motivo é que, nesse dia, no calendário católico, se faz memória de São Valentim. Uma lenda antiga fala de um cristão chamado Valentim que se entregou aos guardas do imperador para ser preso e morto no lugar de um amigo, denunciado como cristão. Há alguns anos, a ONU considera o 14 de fevereiro como “o dia da amizade”.
No mundo atual, fala-se muito de amor. No entanto, muitas canções, telenovelas e filmes ressaltam mais impulsos egoístas de posse do outro do que uma peregrinação de amor que conduz a pessoa ao coração da outra. E quando, nessas obras comerciais, o amor chega a ser mostrado, é de um modo idealizado, irreal e longínquo de nós, pobres mortais, envolvidos em uma realidade de vida bem mais complexa.
Atualmente, o desafio das pessoas e grupos comprometidos com a vida é unir as pontas de uma realidade que, embora complexa, é uma só. O presidente Hugo Chávez afirmava que a política se não se concretizar em ato de amor se torna inútil e contraproducente. Assim, nesses dias difíceis que atravessamos, em um Brasil incendiado por ondas de violência e de ódio, qualquer brisa de amor refrigera e toda forma de carinho vale a pena.
Embora tenha muitas expressões diversas (amor de mãe, de esposos, de amizade ou de irmãos), o amor é um só. Todas as formas têm o mesmo DNA. Vêm todos da mesma fonte. Há uma inteligência amorosa, presente no universo e atuante nas pessoas e em todo ser vivo. As religiões e tradições espirituais a chamam de Deus. A tradição judaica ensina que ao criar o mundo, a luz divina se espalhou como chamas de amor por todo o universo. Então, ao receberem essas faíscas do Amor maior, fonte de todo amor, todos os seres vivos foram divinizados. Entre eles, cada ser humano é chamado a cultivar e desenvolver em si mesmo e nos outros essa chama para que ela não se apague. As relações familiares, a participação comunitária e os relacionamentos de amizade e de amor conjugal são instrumentos para a realização plena dessa vocação para o amor.
O amor de amizade é aberto, mais gratuito e incondicional. Por isso, místicos de diferentes religiões o consideram o sinal por excelência do amor divino no mundo. Amar é nossa vocação.
Todas as formas de amor são assumidas pelo Espírito Divino que se manifesta em todo e qualquer amor humano. No entanto, o Espírito de Amor nos chama a sermos cada vez capazes de um amor gratuito e mais generoso. Trata-se de amar até quem não ama, de levar amor onde não há amor, de modo incondicional e sem limites. Esse amor de doação total pode conter em si a dimensão erótica. Pode também assumir a expressão de uma amizade bela e madura. Mas é, principalmente, amor de solidariedade e bem querer gratuito. No grego bíblico, se chama agapé e está contido na expressão “Deus é amor. Quem vive o amor permanece em Deus e Deus está nessa pessoa” (1Jo 4, 16).
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.