Jesus nada tinha dessa figura angélica alimentada por eflúvios piedosos. Era “sinal de contradição”. Colocou-se ao lado dos injustiçados. Denunciou os ricos e as autoridades de seu tempo. Incomodou os opressores. Não admitiu que corresse dinheiro no Templo, casa de Deus transformada em “covil de ladrões”.
Um dos fatores de evasão de católicos da Igreja ou indiferença à pratica religiosa é o fato de muitos fiéis adultos não possuírem outra formação na fé senão a que receberam na infância via família e catequese. Assim, quando as pernas crescem a calça curta já não serve…
Conheço muitos cristãos que não leem a Bíblia por uma razão óbvia: nada entendem do texto. E não sabem onde buscar ajuda. A Igreja Católica dispõe de poucos leigos, religiosas e padres capacitados para administrar cursos bíblicos. Uma das mais promissoras iniciativas é o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) com seus cursos e publicações, mas infelizmente pouco valorizado pela hierarquia da Igreja Católica.
A maioria dos padres conhece apenas noções de lições de seminário, em geral utilizadas para reforçar tradicionais conteúdos devocionais. Muitos não suportam questionamento dos fiéis e, por isso, não se atrevem a ministrar cursos. Preferem o monólogo do sermão de missa, pois ali não convém à assembleia fazer perguntas e muito menos contestações.
Hoje em dia, os estudos bíblicos estão de tal modo avançados que muitos fiéis talvez se sentissem abalados em sua fé se enfocassem os relatos evangélicos à luz das pesquisas mais recentes e destituídos de invólucros míticos. A avalanche devocional recobriu de tal modo os personagens bíblicos, como o próprio Jesus, que fica difícil encará-los como humanos.
Muitos cristãos ainda creem em um Deus cruel que, ofendido por nossos pecados, exigiu que a sua ira divina fosse aplacada por um sacrifício igualmente divino: a morte de seu filho na cruz!
Mas qual pai se compraz de ver seu único filho crucificado?
Como Jesus perdeu a vida todos sabemos: assassinado. Por quê? Não era ele uma pessoa tão boa, espiritualizada, que “passou a vida fazendo o bem”, como diz o evangelista João? Quem haveria de querer matá-lo?
Ora, Jesus nada tinha dessa figura angélica alimentada por eflúvios piedosos. Era “sinal de contradição”. Colocou-se ao lado dos injustiçados. Denunciou os ricos e as autoridades de seu tempo. Incomodou os opressores. Não admitiu que corresse dinheiro no Templo, casa de Deus transformada em “covil de ladrões”.
Por isso, foi assassinado por dois poderes políticos: o romano e o sinédrio judaico. Pilatos e Caifás. Morreu como prisioneiro político.
Nada disso interessa a quem deturpa o Evangelho e sonega seu conteúdo para alimentar uma religiosidade de consolação, e não de compromisso; de evasão, e não de engajamento; de fuga do “vale de lágrimas”, e não de inserção amorosa e libertadora no mundo.
A fé necessita de alimento sólido. Não se nutre adultos com papinhas de bebê. Daí o fato de muitos católicos migrarem para Igrejas nas quais a compreensão teológica da Palavra de Deus é trocada por interpretações míticas que reforçam a apatia diante das mazelas sociais. Já que não se tem acesso aos serviços de saúde, ao menos se espera confiante o milagre da cura e se deposita a fé e a poupança no pregador que promete prosperidade em curto prazo. Caso ela não venha, pode ter certeza de que você ainda não cortou definitivamente seus vínculos com o diabo…
Menos religião e mais espiritualidade…
Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Companhia das Letras), entre outros livros.