Frei Betto costuma dizer que “espiritualidade é como sexualidade: todo mundo tem, mas pouca gente fala disso”. Dou aqui um exemplo de experiência espiritual durante a manifestação contra Bolsonaro e a favor da Vida, neste 24 de julho.
Como todas as pessoas que participavam, entrei numa das filas carregando um cartaz – no caso, de solidariedade com os Povos Indígenas – e gritava palavras de ordem. Num dado momento, aproximou-se um entrevistador que, sabendo que estou na coordenação do Movimento Fé e Política, me pediu que dissesse alguma coisa sobre a participação de cristãos na manifestação. Respondi que se Jesus Cristo sempre tomou posição em defesa da vida, ele deveria estar no meio daquele povo. Por isso, eu estava ali para segui-lo.
Interessante é que, só depois de ter falado ao repórter ficou clara para mim a presença real de Jesus Cristo na manifestação popular de hoje.
A partir daí, passei a buscá-lo nos diferentes corpos que caminhavam comigo. Eram as mesmas ruas em que se faziam as procissões religiosas em meu tempo de criança. Mas nas procissões era fácil encontrar Jesus: o Santíssimo era carregado sob um palio ou num andor, e ninguém tinha dúvidas de que ele estava onde estivessem homens com vestes sagradas, antecedidos por Filhas de Maria vestidas de branco, porque ocupava o espaço mais alto da hierarquia sagrada, cercado de velas acesas. Hoje não tinha isso. Destacava-se, é claro, o carro de som – que fazia muito barulho, mas não me parece que Jesus estivesse fazendo discursos. Então, se era certo que ele estava ali, onde estaria?
Certamente, ele estava entre e em todos e todas nós. Ressuscitado, ele não precisa mais limitar-se a um único corpo para manifestar-se em favor da Vida. Algo, porém, me dizia que naquele momento ele estava presente de algum modo mais intenso ou sensível. Mas onde? Eu olhava para os lados, para trás, via gente jovem e gente velha – encontrei até o José Luís Guedes, ex-presidente da UNE em 1966, que tinha sido meu colega nos tempos da Juventude Estudantil Católica, há 60 anos – mas nenhum sinal sensível da presença de Jesus entre nós.
Foi então que me dei conta de que estava caminhando como se dançasse ao som da bateria. Formada por rapazes e moças, seus tambores marcavam o ritmo do caminhar, como se estivéssemos num bloco carnavalesco. Daquele grupo saía uma energia boa, que me fazia gingar, leve e alegre. Olhei para o lado e vi minha esposa também a dançar e então me veio a intuição: Jesus Cristo estava no meio da bateria, produzindo ondas sonoras que nos traziam sensação de bem-estar e davam vontade de continuar na luta contra essa política de morte, mesmo depois da queda de Bolsonaro, seus milicos, milicianos e parlamentares.
A partir desse momento, rezei com o gingado dos pés, dando graças a Cristo que nos envia seu Espírito pelos tambores da juventude, e pedi a ele: “Fora Bolsonaro!” e “fica conosco, Senhor!”.
Juiz de Fora, 24 de julho de 2021
Por Pedro Ribeiro de Oliveira
Membro da Coordenação Executiva do Movimento Nacional de Fé e Política
Foto de Capa: 24J em Porto Alegre (RS)