Esse título não contém nenhuma referência ou alusão à bancada
que se diz “evangélica” no Congresso Nacional. Nem aos deputados que
pertencem à “bancada da bala”, que propõe facilitar a venda de armas
para todo brasileiro que deseje. A expressão é de Guimarães Rosa no
“Grande Sertão Veredas”. Ela cabe bem ao Brasil e ao mundo desse
início de 2016. Em uma publicidade norte-americana, até Papai Noel tem
uma arma na mão. Isso parece natural em um mundo no qual só se fala
em terrorismo e necessidade de segurança.
ainda os nossos votos de “feliz ano novo” ecoam pelo ar. Infelizmente,
para muitos brasileiros, esse ano não será feliz, principalmente por causa
da facilidade com que se vendem e se compram armas e essas são usadas
para matar. Como podemos pensar em um ano novo feliz para os
brasileiros, se, conforme dados do Ministério da Saúde, entre 2013 e
2015, no Brasil, quase 750 mil pessoas foram assassinadas. E a maioria
dessas mortes (74%) se deu com armas de fogo. Uma pesquisa nacional
mostra uma estreita relação entre disponibilidade de armas de fogo e
elevação das taxas de homicídio. Em números absolutos, em nenhum país
do mundo, as pessoas matam mais do que no Brasil.
“Estatuto do Desarmamento”, estabeleceu controles rigorosos para o
registro de armas de fogo e de munição. O cumprimento dessa lei teve
como consequência uma boa diminuição no número de mortes violentas
no país. No entanto, em outubro de 2015, inesperadamente, uma
comissão especial da Câmara aprovou, de forma apressada, um texto que
relaxa os controles estabelecidos pela lei. Essa comissão é composta, em
sua maioria, por parlamentares que foram eleitos com campanhas
financiadas pela indústria de armas e munições, Se esse novo texto for
aprovado pelo plenário do Senado, teremos praticamente a revogação do
Estatuto do Desarmamento. Mais ainda do que a redução da idade penal e
do que outras medidas igualmente retrógradas e cruéis, aprovadas pelo
atual Congresso, essa medida representará um retrocesso incalculável
para a segurança e a defesa da vida em nosso país.
no mundo inteiro. De acordo com a ONU, o armamentismo é a indústria
que mais rende no mundo, junto com o tráfico internacional de drogas e o
mercado da pornografia e comercialização do sexo. A maioria dos países
da África vive uma situação de pobreza e de desigualdade social que se
agrava a cada dia, No entanto, nos últimos dez anos, as despesas militares
É importante lembrar isso nesse começo de ano novo, quando
A lei federal 10.286 de dezembro de 2003, também chamada de
A cultura da violência e do uso de armas de fogo está em alta
na África foram de 50 bilhões de dólares. Atualmente, nos mais de 50
países da África, o cálculo é que cem milhões de armas ligeiras estão nas
mãos de qualquer pessoa que as compre ou as roube. Parece que esse é o
ideal que esses deputados querem para o Brasil.
opera quase clandestinamente. No entanto, sabe-se oficialmente que trinta
grandes empresas fabricam armas e as vendem não apenas a governos,
mas a grupos armados que praticam todo tipo de violência. Dessas 30
indústrias, mais da metade são norte-americanas e têm sua sede nos
Estados Unidos, o maior vendedor de armas no mundo (Cf. Revista
Nigrizia, dez 2015, p.49 ss). “Em 2014, essa venda atingiu 10 bilhões de
dólares. O Brasil aparece como terceiro maior comprador de armas,
sendo que somente em 2014, fechou contratos da importância de US# 6
bilhões com a Suécia, EUA e outros países vendedores” (Cf. Folha de
São Paulo, 26/12/ 2015).
norte-americano desde os antigos filmes de faroeste, as antigas religiões
orientais pregam que a vida é sagrada em si mesma. Todo ser vivo
merece respeito, principalmente o ser humano. Algumas tradições o veem
como jardineiro da criação divina, a serviço da vida e da fraternidade de
todas as criaturas. A cultura judaico-cristã herdou essa visão.
Infelizmente, ao se inserir na cultura greco-romana, o Cristianismo se
tornou uma religião guerreira. Muitas vezes compactuou e mesmo
promoveu armas e violência. Na segunda metade do século XX, a maioria
das Igrejas cristãs se arrependeu dos erros do passado e se comprometeu
em serem artífices da paz e da não violência. Junto ao Mahatma Gandhi e
a pensadores de outras tradições religiosas, pastores cristãos como Martin
Luther-King nos Estados Unidos, o bispo Desmond Tutu, na África do
Sul e aqui no Brasil, um profeta como Dom Helder Camara e outros,
consagraram-se a essa causa. Com eles somos chamados à urgente tarefa
civilizatória de construir uma democracia de tipo novo, participativa e
não violenta. É importante que as pessoas e grupos que buscam uma
espiritualidade ligada à vida protestem contra essa nova proposta de lei,
surgida na Câmara, a serviço das empresas de armas e de munições. As
celebrações desse tempo do Natal nos fazem retomar nossa fé no ser
humano e em sua capacidade de viver em paz e em uma sociedade não
violenta. Assim, estaremos realizando a palavra de Jesus: “Bem-
aventuradas as pessoas que promovem a paz porque serão chamadas de
filhas de Deus”, isso é, elas realizam uma função divina.
A indústria mundial de armas faz segredo sobre os seus lucros e
Ao contrário dessa cultura que vem apregoada pelo Cinema
norte-americano desde os antigos filmes de faroeste, as antigas religiões
orientais pregam que a vida é sagrada em si mesma. Todo ser vivo
merece respeito, principalmente o ser humano. Algumas tradições o veem
como jardineiro da criação divina, a serviço da vida e da fraternidade de
todas as criaturas. A cultura judaico-cristã herdou essa visão.
Infelizmente, ao se inserir na cultura greco-romana, o Cristianismo se
tornou uma religião guerreira. Muitas vezes compactuou e mesmo
promoveu armas e violência. Na segunda metade do século XX, a maioria
das Igrejas cristãs se arrependeu dos erros do passado e se comprometeu
em serem artífices da paz e da não violência. Junto ao Mahatma Gandhi e
a pensadores de outras tradições religiosas, pastores cristãos como Martin
Luther-King nos Estados Unidos, o bispo Desmond Tutu, na África do
Sul e aqui no Brasil, um profeta como Dom Helder Camara e outros,
consagraram-se a essa causa. Com eles somos chamados à urgente tarefa
civilizatória de construir uma democracia de tipo novo, participativa e
não violenta. É importante que as pessoas e grupos que buscam uma
espiritualidade ligada à vida protestem contra essa nova proposta de lei,
surgida na Câmara, a serviço das empresas de armas e de munições. As
celebrações desse tempo do Natal nos fazem retomar nossa fé no ser
humano e em sua capacidade de viver em paz e em uma sociedade não
violenta. Assim, estaremos realizando a palavra de Jesus: “Bem-
aventuradas as pessoas que promovem a paz porque serão chamadas de
filhas de Deus”, isso é, elas realizam uma função divina.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. .