Cada país tem o dia D que merece. Os aliados, que lutaram na Europa para derrotar o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini, tiveram o famoso dia D em 6 de junho de 1944, quando suas tropas desembarcaram na Normandia, litoral norte da França, dando início ao fim da Segunda Grande Guerra do século XX.
O nosso dia D – de Dilma – é hoje. Presidida por Eduardo Cunha, acusado de esconder dinheiro no exterior, a Câmara dos Deputados decidirá, até o fim desta noite, se a presidente Dilma deve ou não sofrer processo de impeachment.
Caso os deputados federais votem pela saída da presidente, Dilma aguarda a votação no Senado. Se esta casa decidir pela continuação do processo de impeachment, então Dilma limpa as gavetas no Palácio do Planalto e se abriga 180 dias no Alvorada, até o Senado votar se ela deve ou não ser cassada. Então, durante seis meses, teremos Michel Temer como presidente. Isso se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não decidir cassá-lo também por conta das pedaladas fiscais. Aí, sem Dilma e Temer, a presidência, vejam só!, cai nas mãos de Eduardo Cunha. O Brasil não merece tamanha desgraça!
Há dois cenários a encarar. O primeiro, o processo de impeachment ser paralisado hoje pela Câmara dos Deputados. Nesse caso, Dilma terá que deixar de lado sua teimosia e mudar os rumos do governo, pois o PT cometeu o grave erro de confiar politicamente em seus potenciais inimigos que, agora, o abandonam. A maioria dos políticos (mal escolhidos por nós, eleitores) age movida por interesses, e não por princípios.
Temo que, não aprovado o impeachment, o governo federal decida recompensar os parlamentares que votaram a seu favor e fazer do ministério uma colcha de retalhos de benesses e agrados.
Caso Temer assuma, haverá manifestações e pressões dos movimentos sociais, já que ele deixou claro, em seu desastrado discurso de “empossado” (possuído pela mosca azul), que implementará um ajuste fiscal ainda mais rigoroso. Nesse caso, haverá crescente criminalização do elementar direito de protestar e reivindicar.
O segundo cenário é o impeachment não ser aprovado. Então Dilma terá que, enfim, se apoiar nos movimentos sociais, mudar o rumo do ajuste fiscal (e exigir mais sacrifícios dos ricos que dos pobres) e promover reformas estruturais (como a urgente reforma política, cuja falta tem resultado nesta realidade nefasta que estamos vivendo). E o PT terá de se reinventar, fazer autocrítica, como sugerem Olívio Dutra e Tarso Genro, expulsar os corruptos de seus quadros e voltar às bases populares.
O fato de Temer nunca falar de combate à corrupção deixa a impressão de que a ele não interessa o avanço da Lava Jato. Isso sim, seria um retrocesso. As classes política e empresarial sempre gozaram de imunidade e impunidade. Restaurar essa bandidagem consentida é escarrar em nossa democracia.
Crise vem da palavra crisol, purificar. Talvez a turbulência na qual vive hoje o Brasil sirva para amadurecer a nossa democracia. Caso contrário, voltaremos a ser mera republiqueta.
Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.