Fundada em 1216, na França, pelo padre espanhol Domingos de Gusmão, a Ordem dos Pregadores, mais conhecida como dominicana, celebra este ano oito séculos de atividade apostólica.
Desde a vida comunitária, os frades conjugam oração e pregação, vida intelectual e opção pelos pobres. Entre os primeiros dominicanos, vários procediam da Universidade de Bolonha (a mais antiga do mundo), e outros se encontram nos primórdios das universidades de Oxford, Inglaterra, e Sorbonne, Paris. Os dominicanos fundaram as duas primeiras universidades da América Latina: a de Santo Domingo, na República Dominicana (1538), e a São Marcos, no Peru (1551).
Desde que chegaram ao Brasil, em fins do século XIX, os frades se dedicaram, primeiro, ao mundo indígena; em meados do século XX, ao mundo estudantil; e, hoje, aos movimentos sociais e à defesa dos direitos humanos.
Entre os dominicanos mais conhecidos se destacam Alberto Magno, Mestre Eckhart, Tomás de Aquino, Francisco de Vitória, Giordano Bruno, Savonarola, Campanella, Bartolomeu de Las Casas e Lebret. No Brasil, Pedro Secondi, Carlos Josaphat, Mateus Rocha, Tito de Alencar Lima, Hilton Japiassu e Tomás Balduíno.
Santo Tomás releu a tradição filosófica e teológica pelos óculos do pagão Aristóteles e deu à Igreja uma consistente doutrina cristã. Las Casas, ao defender a dignidade dos índios, elaborou a primeira carta de direitos humanos da América Latina. Vitória lançou as bases do Direito Internacional. Lebret se empenhou em imprimir à economia um caráter humanista. Mateus Rocha fez da Ação Católica um movimento progressista, que nos deu Betinho e outros líderes políticos. Tomás Balduíno se tornou o bispo do povo indígena e fundou a Comissão Pastoral da Terra.
Nem tudo são luzes. Dominicanos fomentaram cruzadas contra supostos hereges, e a figura sinistra de Torquemada comandou o tribunal da Inquisição.
Três compromissos definem o nosso carisma: 1) lutar por justiça e por uma sociedade de partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano (pobreza); 2) fidelidade ao carisma de São Domingos (obediência); 3) gratuidade na entrega amorosa e solidária de nossas vidas a todos, e em especial aos que carecem de condições dignas de vida (castidade).
Durante a ditadura militar, impelidos pela renovação da Igreja no Concílio Vaticano II, alguns frades se engajaram na luta por democracia e padeceram anos nos cárceres, enquanto outros abraçaram a “opção pelos pobres”, de modo a fazer das classes populares protagonistas na implantação do direito à justiça e das condições de paz.
No Brasil, a Comissão Dominicana de Justiça e Paz tornou-se uma expressão “sacramental” das prioridades definidas pela Ordem, e do compromisso de frades, religiosas e leigos com os movimentos populares voltados à busca de “outros mundos possíveis”.
A família dominicana no Brasil inclui, além de quase uma centena de frades, monjas dominicanas contemplativas, religiosas dedicadas à educação, leigos identificados com o nosso carisma, e o Movimento Juvenil Dominicano.
Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.