Um artigo especial de Eduardo Brasileiro, educador popular, sociólogo e membro da equipe de articulação e coordenação do coletivo IPDM (Igreja – Povo de Deus – em Movimento):
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) atravessam os quase 30 anos de democratização do Brasil. Por isso, seus membros em especial nas cidades, são símbolos do que há de mais valioso na luta contra a ditadura civil militar e a dominação do capitalismo neoliberal: a resistência mística por outros mundos possíveis. Todavia, os rostos atravessados de tempo não escondem o desamparo político sentido por toda a militância social que o engloba. A forte análise que elaboram seus quadros também não escondem o maior desafio desses pequenos grupos espalhados pelo Brasil: a renovação de seus membros.
A igreja do Brasil perdeu o trem. Em todas as reuniões de grupos que ouvimos o povo falar, o trabalho de educação popular precisa ser retomado desde o início. A dimensão sociopolítica do Cristo tem de ser saboreada em banquete semanal e reafirmar o papel do cristão de oposição à sociedade capitalista, é a tarefa pedagógica inicial. Por isso, reunidos em pequenas comunidades e até mesmo fora de comunidades – dado que foram expulsos após avanços conservadores nas dioceses do Brasil inteiro -, a mística dos mártires beberá das idiossincrasias de um Brasil de autoritarismo nas periferias onde morrem milhares de jovens negros e pobres e de um feminicídio velado, sobretudo pelas igrejas que fazem campanha contra a diversidade de gênero.
Num movimento internacional, os donos do poder, nunca estiveram em momento tão favorável. Segundo relatório da OXFAM/2017 sobre as desigualdades brasileiras[1], seis pessoas possuem riquezas equivalentes ao patrimônio de 100 milhões de brasileiros. Esse disparate além de criminoso é um convite para o povo desobedecer qualquer lei até que seja julgada e punido todo esse acumulo de dinheiro nas mãos de um grupo de homens brancos. Afinal, segundo a mesma organização a diferença salarial entre mulheres e homens acabará somente em 2047, enquanto a de brancos e negros, somente em 2089. O Brasil é um país de dimensões desiguais continentais. E, por isso mesmo, é um país onde precisa-se ser aprofundado uma reinvenção de lutas do mundo urbano que resistam a litigância da desigualdade social.
O metabolismo social do mundo urbano é o capital transformando tudo em valor de troca, quantificando todas as maneiras de associação com fins de mensurar a mulher e o homem a um animal em expansão empresarial. A ideologia da competência invade nosso cotidiano, nos militariza e adoece. Basta olhar por um minuto para a “gaiola de ferro” da cidade e o adoecimento pelo mundo do trabalho. O mercado impôs virtudes míticas à sociedade de prevalecer universalmente o irresistível modo econômico de extração e apropriação do trabalho e da religião. Essa construção de desenvolvimento é a disputa que devemos travar.
A ascendência histórica vendida para os países da África, Ásia e América Latina, no caso brasileiro de 2000 a 2015, foi apenas uma jogada de fortalecimento da elite econômica em continuar explorando essas terras. Sua necessidade hoje é a de aprofundar essa exploração por meio da subordinação do trabalho. No Brasil e no mundo expande-se uma incontrolável perseguição sobre a vida do trabalho, retirando seguranças mínimas, terceirizando a manipulação do trabalhador para anular todo e qualquer resquício de empoderamento real deste trabalhador sobre o sistema. O mesmo ocorre com as religiões cristãs, em especial ao catolicismo: hoje são terceirizados os serviços pastorais a movimentos espiritualistas que educam o mundo para uma ética evangélica da ideologia da competência capitalista. Reúnem-se milhares de famílias apenas para saber como vencer num mundo de competição e como acumular num mundo de escassez.
Assim, definhando toda e qualquer capacidade crítica do cidadão, a dominação pela religião e pelo trabalho serve de amparo para distorcer as visões sobre a cultura e política. Renasce as tramas de um projeto fascista numa sociedade fragilizada, permeada por conflitos, com uma intelectualidade cética e com uma ambientação cultural propícia ao encarceramento em massa dos pobres e ao genocídios de ‘vidas matáveis’ (negros, mulheres, indígenas, camponeses…).
Constatar esse estágio da sociedade do mercado capitalista nas tramas do mundo urbano é essencial para repensar a resistência. Cadê a fome de justiça das pessoas? A estrutura mítica que aliena hoje o trabalho e a religião deverá ser reordenada a fim de que erga as pessoas no caminho do autoconhecimento, da solidariedade e da inquietação diante da desigualdade.
Sabemos que não é possível erradicar a pobreza no mundo sem reduzir drasticamente os níveis de desigualdade; precisaremos das comunidades religiosas com a perspectiva da alteridade e imbuídas radicalmente dos respeito à laicidade do Estado.
Às CEB’s cabe mais uma vez a missão de engravidarem-se do ecumenismo (casa comum), possibilitando a vida de um povo em seus movimentos, com minorias e maiorias que sabem fazer do chão, estrada e da estrada, história. Para a viagem da esperança dos povos que sempre se deu emanando amor e solidariedade. Venceremos.
Fonte: outraspalavras.net