Uma das expressões mais presentes nos discursos e na prática do Papa Francisco é a “cultura de encontro”. Ele a tem repetido muitas vezes e em diversas ocasiões, e é uma prática importante de seu pontificado por ser a mensagem que deseja transmitir a quem a ouve, em número cada vez maior, em todo o mundo, não só em Roma.
O objetivo deste artigo é refletir sobre a proposta do Papa Francisco de transmitir o que é primordial em um encontro. Não só conhecer, mas procurar ouvir as pessoas, estar com elas, não apenas para lamentar, mas se deixar levar pela compaixão às que são mais vulneráveis. Dizer-lhes “não chorem” e dar-lhes “pelo menos uma gota de vida”.
A intenção do Papa é combater a indiferença que prevalece em todos nós, a superficialidade das relações, buscar um encontro verdadeiro e profundo com o outro. Mas para que isso ocorra, afirma o pontífice, precisamos ser pacientes se quisermos entender quem é diferente de nós. A pessoa não se expressa plenamente quando é simplesmente tolerada, e sim quando percebe que é verdadeiramente bem-vinda. É preciso termos um desejo genuíno de ouvir o outro, aprender a ver o mundo com olhos diferentes e apreciar a experiência humana que se manifesta em diferentes culturas e tradições. Apreciar melhor os grandes valores inspirados do cristianismo, como a visão do homem como pessoa, o casamento e a família, a distinção entre as esferas religiosa e política, os princípios de solidariedade e subsidiariedade, entre outros.
Devemos demonstrar ao outro nossa espiritualidade e o desejo de servir a Deus. Se o outro me deixa indiferente, trancado no meu próprio eu, o encontro não acontece, nem a transformação da vida. O próprio Papa Francisco nos diz: “Estamos acostumados a uma cultura de indiferença e temos de trabalhar e rezar pela graça de fazer uma cultura de encontro. Resgatar em cada pessoa a sua dignidade como filhos de Deus, a dignidade da vida. Estamos acostumados à ficarmos indiferentes quando vemos tanto as calamidades deste mundo como as pequenas coisas. Dizemos apenas ”quanta pobreza, quanto sofrimento”. Se não olharmos o suficiente para ver, não podemos ajudar a fazer uma cultura de encontro.”
O discernimento passa através da corporeidade que é a nossa condição de presença no mundo. Todos os sentidos têm que estar presentes quando se trata de realizar uma reunião com o outro. É preciso olhar, ouvir, tocar, ficar mais perto sempre, para não só dar, mas também e igualmente receber o que o outro tem para mim. “A cultura do encontro exige que estejamos dispostos não só para dar mas também para receber dos outros.”
Segundo o Papa, para que isso ocorra é preciso acreditar no outro; acreditar que ele ou ela tem algo bom para mim, para me ajudar a crescer, para viver plenamente, para dar a minha medida como ser humano, como filho de Deus. É preciso estabelecer um diálogo com os homens e as mulheres para entender suas expectativas, suas dúvidas, suas esperanças, e para oferecer o Evangelho que é Jesus Cristo, Deus feito homem, que morreu e ressuscitou para nos libertar do pecado. Este desafio exige uma profunda atenção à vida, exige sensibilidade espiritual. Dialogar significa estar convencido de que o outro tem algo bom para dizer, aceitar o seu ponto de vista, as suas propostas. O diálogo não significa desistir das ideias e tradições.
O Papa deixa claro que a experiência do encontro envolve diferenças e cresce com elas. No encontro com o outro que é diferente de nós podemos aprender muito e enriquecer toda a Igreja e a sociedade, a partir da experiência e a perspectiva do outro. Isso, porém, não significa perder a minha identidade. Até porque a minha identidade é parte do poliedro, é a minha contribuição, é o meu dom para os outros. Se não houver identidades claras, não há conflito, mas também não há vida, tudo é vazio.
A “unidade na diversidade” ou “diversidade reconciliada” é a proposta do Papa em relação a outras religiões e de outras igrejas. O outro, o diferente, tem o seu lugar.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “A Argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética” (Ed. Garamond), entre outros livros.