Nunca soube que existisse o Dia do filósofo. Descobri recentemente, quando soube que no dia 16 de agosto festejam-se aqueles e aquelas que escolheram em suas vidas amar a Sabedoria. Sim, pois é isso que, no grego, significa a palavra filosofia: amor pela sabedoria.
A origem da palavra está na Antiga Grécia, berço da civilização ocidental, onde, em meio à riquíssima mitologia que povoava o panteão de deuses e deusas, alguns começaram a perguntar-se: Quem sou eu? De onde vim e para onde vou? Qual a origem do mundo?
Interpretada comumente como o marco do fim da era do mythos, com o apogeu do logos e da razão, a filosofia, na verdade, desde o início conjugou ambos. Suas origens se encontram em uma interpretação des-sacralizada dos mitos cosmogônicos, difundidos pelas diversas religiões. Para os que desejariam uma filosofia completamente “vacinada” contra o mito, aí está uma pedra de tropeço intransponível.
Segundo Aristóteles e Platão, a matéria inicial da reflexão dos filósofos foram os mitos. Estes se tornaram campo comum da reflexão da religião e da filosofia, revelando que a pretensa separação entre esses dois modos de o ser humano interpretar a realidade não é tão nítida como aparentemente se julga.
Nem só razão nem só mitologia, diz a amiga sabedoria que já desde o tempo de Tales de Mileto, 5000 anos antes de Cristo, nos ensina que o mundo está cheio de deuses. E Platão viria a ser aquele que encontrou a raiz de seus mais belos pensamentos pela meditação dos mitos. Para a filosofia antiga, portanto, o mito dá o que pensar, provoca a razão e a faz produzir sabedoria. A meditação e a interpretação dos mitos serão, então, o que conduzirá o filósofo em sua busca da verdade.
Pois disso se ocupa o filosofar: buscar a verdade. Não poderia haver sabedoria se não houvesse verdade. O bom e o belo são outros nomes da verdade. Verdade que não se rende ao pensamento humano com a evidência laboratorialmente controlada do empirismo, mas vai des-velando seus segredos com o exercício espiritual da busca atenta e amante da filosofia. A filosofia acaba por ser, assim, a porta de entrada para pensar o mistério.
Ao pensar os mitos, o filósofo toca na universalidade das intuições e das experiências ancestrais, referindo a sua pertença comum e originária ao gênero humano. Por isso, os mitos são lugar privilegiado do enraizamento das pessoas e dos povos, conectando-os a seu passado. Tornam-se assim o fundamento da cultura humanista. Contemplando com atenção o mito, o filósofo vai se aproximando da raiz das recorrências humanas, o que lhe permitirá então tocar nas essências, elaborar definições, construir sínteses, montar harmoniosas arquiteturas de conhecimento.
Em seus tempos iniciais, a filosofia se auto compreendia como responsável por tudo que era cognoscível e, portanto, passível de ser conhecido. Sob sua égide repousava o conhecimento humano em todas as suas especialidades, e até hoje a ela devem sua origem enquanto campos do pensar e do saber: os valores – a ética; a beleza – a estética; a busca da verdade – a lógica.
O tempo passou, o mundo mudou e a filosofia também. Fragmentou-se em muitas especialidades e muitos genitivos. No entanto, ainda é um marco de oposição ao desenraizamento e à atomização da sociedade moderna, alienada justamente porque perdeu o contato com o passado, permanecendo degenerada na busca e fixação em ídolos.
Enquanto houver filósofos apaixonados pela verdade e amigos da sabedoria, podemos ter esperança em que o que constitui o humano não se perdeu. Por isso, é digno e justo saudar e louvar aqueles que hoje continuam cultivando essa amizade e esse amor, impedindo nossa desumanização.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ