Mais uma vez, desde 1995, a data da independência do Brasil é marcada por manifestações populares. Elas nos lembram que a independência política, ocorrida em 1822 está incompleta. Para verdadeira independência, um país deve garantir vida livre e digna para toda a sua população. Isso supõe superar as desigualdades sociais e as injustiças delas decorrentes. Por isso, a cada 07 de setembro, movimentos populares e pastorais sociais da CNBB organizam o Grito dos Excluídos que se expressa através de concentrações e caminhadas pelas ruas das cidades.
O Grito é um gesto profético em defesa da justiça e do direito de todos. Em outros tempos, bispos profetas se colocavam como voz dos que não tinham voz. Hoje os próprios excluídos lutam para ter voz e vez no embate por uma plena cidadania. Neste ano, sua celebração terá de ser através da internet e de forma mais processual. No entanto, a crise social e sanitária imposta pela pandemia mundial de covid-19 e os graves retrocessos sociais impostos pelo atual governo brasileiro tornam ainda mais necessários o protesto e as manifestações da população atingida. Por isso, a organização do Grito insiste em proclamar a preservação da vida em primeiro lugar. Opõe-se a um modo de organizar a sociedade que aumenta as desigualdades e injustiças. Neste ano, o lema do Grito será Basta de miséria, preconceito e repressão! Queremos trabalho, terra, teto e participação!
Por todo o Brasil, as milhares de pessoas envolvidas nas atividades do Grito manifestam solidariedade aos quase 120 mil irmãos e irmãs mortos pela Covid 19. Denunciam o descaso e indiferença com o qual o presidente do país e o seu governo têm tratado a pandemia. Solidarizam-se às comunidades indígenas e remanescentes de quilombos, especialmente, atingidas pela pandemia e vítimas da cruel omissão das autoridades.
O Grito dos Excluídos também faz referência à urgente necessidade de revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, o chamado Teto de Gastos. A tão falada crise econômica não pode mais servir de justificativa para tirar direitos da população e reduzir serviços públicos. Não é justo descarregar sobre a população mais pobre as consequências do descuido do governo. Os trabalhadores e trabalhadoras não podem continuar sendo penalizados pela ausência de políticas públicas, em todas as áreas. Por isso, é urgente revogar essa emenda constitucional.
Pelo fato de que, neste momento, ainda não podemos realizar o manifestações em praças públicas, o coletivo que coordena estabeleceu que todo dia 7 de cada mês, será um “Dia D do Grito”. De fato, o sistema de exclusão e de injustiças tem sido constante. Por isso, se torna necessário que esta realidade seja denunciada e combatida durante um tempo maior e através de diversas atividades que vão se espalhar por este tempo a seguir.
Para todas as pessoas que seguem tradições espirituais, é importante que a solidariedade com os setores mais oprimidos e vulneráveis da sociedade seja considerado como prioridade sagrada. Simone Weil, espiritual francesa da primeira parte do século XX, afirmava: “Eu reconheço quem é de Deus, não quando me fala de Deus, mas pelo seu modo de se relacionar com as pessoas e de lutar pela justiça no mundo”.
Todos sabem que o Brasil é o terceiro país do mundo em desigualdades sociais. Não poderemos mudar essa realidade apenas com gritos, mas, de fato, o Grito dos Excluídos é um movimento que se desdobra em iniciativas de organização dos trabalhadores e debates políticos com propostas alternativas importantes para o país.
O que caracteriza a fé judaica e cristã é a relação íntima entre a intimidade de Deus e o cuidado com a justiça e a solidariedade. Nos evangelhos, Jesus insiste de que não se pode separar o amor a Deus e o amor aos irmãos e irmãs. Ele revelou a preferência divina por aquelas pessoas que o evangelho chama de “pequeninos e objetos da predileção de Deus”. Ele as toma como companhia privilegiada em seus contatos e refeições. E afirma: “Quem acolhe uma pessoas destas (excluída da sociedade), é a mim que acolhe” (Mateus 25, 31 ss).
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.