O segundo mandamento da lei de Deus, conhecida como Decálogo, é “Não usar o santo nome de Deus em vão”. E, no entanto, nunca se viu um presidente da República evocar tanto o nome de Deus como o atual ocupante do Planalto.
Alguém poderia objetar: que mal há em evocar o santo nome? Nenhum, se a pessoa se esforça por viver os valores ensinados pela Bíblia, considerada por nós, cristãos, Palavra de Deus. Não é o caso do Inominável. Enquanto Jesus propõe “Amai-vos uns aos outros”, ele insiste em “Armai-vos uns aos outros”. Ou “Pátria armada, Brasil”.
A manipulação política do nome de Deus é velha como o cachimbo de Adão. Já no século 4 o imperador Constantino, ao perceber que a perseguição aos cristãos, movida pela Império Romano, tornava seu governo cada vez mais impopular, se declarou convertido à fé cristã, cessou a repressão e deu aos bispos o status de príncipes.
Pura cooptação da Igreja para impedir que o Império desabasse. E a prova de que sua suposta conversão consistia em golpe político é que só se deixou batizar ao se encontrar no leito de morte. Com certeza por via das dúvidas, por temer as penas do inferno…
Bolsonaro, criança, foi batizado na Igreja Católica. Adulto, se fez batizar, na Judeia, pela Igreja evangélica. Como se o sacramento do batismo admitisse segunda edição… Mero jogo político ao perceber o crescimento dos evangélicos no eleitorado brasileiro. E como considerar discípulo de Jesus um homem que é devoto do coronel Brilhante Ustra, um dos mais cruéis torturadores da ditadura militar?
Bolsonaro se arvora em defensor da família. Sim, gosta tanto de família que já está na terceira, após dois casamentos desfeitos. E em janeiro de 2018, questionado pela mídia por que, como deputado federal, recebia auxílio-moradia, se possuía imóvel próprio em Brasília, não teve o menor pudor em responder: “Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava para comer gente”.
O eleitor precisa estar atento ao fato de Jesus, no Evangelho, em especial no capítulo 23 de Mateus, criticar duramente, não os ateus ou praticantes de outras religiões, mas os religiosos aproveitadores e corruptos de sua própria religião, o Judaísmo. Tratou-os como “raça de víboras”, “sepulcros caiados”, “guias cegos”, “hipócritas”. Denunciou-os: “Não imitem suas ações, pois falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles próprios não estão dispostos a movê-los nem sequer com um dedo” (3-4).
Isso faz lembrar padres e pastores que falam mais do diabo que de Deus, ameaçam os fiéis com as penas do inferno, inflam nas pessoas os sentimentos de culpa, enquanto recolhem o dinheiro sofrido dos pobres para viverem como marajás. Por isso estão dispostos a apoiar o governo que assegura seus privilégios, não cobra impostos das Igrejas e concede a elas sistemas de rádio e TV.
Perguntado a que veio, Jesus respondeu: “Vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10,10). Ora, será que pode ser considerado seguidor de Jesus um governante que nada faz para impedir a mortandade de quase 700 mil pessoas por Covid, e ainda receita medicamentos condenados pela ciência; libera a importação e o comércio de armas, para alegria dos bandidos; arranca recursos da saúde e da educação para abastecer orçamentos secretos; ignora as vidas dos indígenas; e faz piada de mau gosto a respeito dos quilombolas, como se fossem porcos pesados em arrobas?
Esta não é uma eleição entre o Bem e o Mal. É, sim, entre a Morte e a Vida. Você, eleitor cristão, escolhe. Mas tenha presente o que disse Jesus: “Ele não é o Deus de mortos, e sim de vivos” (Mateus 22,32).
Frei Betto é escritor, autor de “Jesus militante – o Evangelho e o projeto político do Reino de Deus” (Vozes), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org