Nunca a comunicação foi tão ágil, rápida e fácil, embora cara. Sem sair da cama, podemos saber o que ocorre na Ásia, falar ao telefone com um nepalês, entrar em um site de bate-papo e nos enturmar com um bando de jovens do Brooklin. À audição (rádio) somam-se a visão (foto, cine, TV) e a fala (telefone e Internet). Faltam apenas o cheiro e o contato epidérmico, o toque.
Diante de todo esse cipoal comunicativo levanta-se uma questão: e a intercomunicação pessoal, tão valorizada por Habermas? Quantos pais “acessam” os filhos? Como é o diálogo olho no olho? Comunicação que se faz comunhão, interação, e que transmite, não a emoção de imagens e sons, mas algo mais profundo – afeto.
Reféns da tecnologia, sem todos esses aparatos temos dificuldade de dialogar com o próximo. Nosso avós punham as cadeiras na varanda, e até mesmo na calçada, e ficavam horas jogando conversa fora. Hoje, a ansiedade dificulta o diálogo interpessoal. Preferimos a comunicação virtual, mental, mas não a corporal. O corpo transforma-se em território do silêncio das palavras, embora se cubra de adornos que “falam”: a roupa, a esbeltez malhada, os gestos…
Nessa “fala” o corpo simula (faz de conta ser o que não é) e dissimula (esconde o que de fato é). Por isso a comunicação interpessoal é arriscada, pois tende a desmascarar, trair, revelar contradições. O corpo sou eu, e eu não sou tão bom quanto a imagem que projeto de mim mesmo. Como os cavaleiros medievais, visto uma armadura que encobre a minha verdadeira identidade, a armadura pós-moderna da parafernália eletrônica. É ela que me salva. Permite-me ser conhecido por uma imagem mediatizada pela multimídia ou, no contato pessoal, pelos adornos que me imprimem um cheiro de grife.
Nu, sou um fracasso, uma decepção frente à minha baixa autoestima. Ainda mais se acrescento à nudez o que me desnuda por dentro: a fala. Por isso os ícones projetados pela mídia – modelos, artistas, atletas, ricos – não falam. São fotografados e expostos excessivamente, mas nada se sabe o que pensam, em que acreditam, que valores abraçam, qual visão de mundo assumem. São seres belos, porém silenciados. Se abrirem a boca, o balão desinfla, o encanto desaparece, a carruagem vira abóbora.
Pós-modernidade é sinônimo de explosão comunicatória. Estamos cercados da parafernália eletrônica destrinchada pelas análises de Adorno, Hockeimer, MacLuhan, Walter Benjamin e outros. Ela reduz o mundo a uma aldeia que se intercomunica em tempo real. E dentro de uma paisagem cultural hegemônica que Boaventura de Sousa Santos qualifica de monocultura: a espetacularização da notícia e naturalização da imagem midiática, como se o mundo fosse o que vemos na TV ou na Internet.
Tudo isso molda a nossa identidade. Não há como configurá-la de outro modo. Estamos cercados pela multimídia: no mesmo celular temos relógio, calculadora, rádio, e-mail, TV, jogos… e até telefone.
Não é fácil o verbo se fazer carne. Graças à multimídia, o verbo se faz caro e raro. É virtualizado para ser esvaziado de significado. Assim, não nos sentimos desafiados. Na imagem, a catástrofe é épica; na minha esquina, trágica. E ao contemplar o épico me iludo de que vivo em uma ilha imune à dor e ao sofrimento. E suporto a reclusão do silêncio temendo que a minha palavra se faça carne, ou seja, revele quem realmente sou: este ser frágil, carente, que ainda não descobriu a diferença entre prazer, alegria e felicidade.
Por isso tendem a ser complicadas as relações familiares, como toda relação que se confina em um mesmo espaço. Não se desfila dentro de casa. No cotidiano, a imagem é atropelada pelas emoções. É o que Buñuel mostrou em “O discreto charme da burguesia”. No espaço doméstico emerge o nosso lado avesso – aquela pessoa que realmente somos, sem maquiagens de bens, funções e adornos.
Para conviver fora de casa vestimos a armadura. Vamos para a guerra, para o reino da competição e do sucesso a qualquer preço. Não podemos, portanto, mostrar a cara. Protegem-nos a parafernália eletrônica e o diálogo virtual. Somos o que não aparentamos e aparentamos o que não somos. Eis o paradoxo que a pós-modernidade nos impõe.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas de Ouro” (Rocco), entre outros livros.