Um ato, por si só, não determina necessariamente uma atitude. Esta última, ao contrário, resulta de uma acumulação de atos que vão formando hábitos mais ou menos permanentes. Enquanto o ato pode ser, e por vezes é, instantâneo, impensável, imprevisto e intempestivo, a atitude, pelo contrário se consolida com o decorrer do tempo. Atitudes consistem em atos cimentados pelo concreto de uma convivência, seja esta de curto, médio ou longo prazo. Elas podem adquirir um caráter negativo ou positivo, determinar um vício ou uma virtude. Tudo depende, é claro, das relações interpessoais e sociais que tecemos, das conveniências e do contexto histórico em que nos movemos, da cultura dentro da qual estamos imersos, do processo formativo que ajudou a forjar a personalidade de cada pessoa – fatores naturalmente combinados.
O parágrafo anterior serve de ponto de partida para um comentário sobre Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado Federal para investigar as ações e omissões, mandos e desmandos do governo Bolsonaro no avanço trágico da pandemia Covid-19. De início, não será difícil dar-se conta que atos de escuta e diálogo, bom senso e uso da racionalidade, tendem a conduzir a uma atitude humildemente mais sábia e madura. E inversamente, atos momentâneos, imediatistas, instintivos, repentinos, tenderão a reforçar uma atitude autossuficiente, em geral dominadora e autoritária. Isso vale ainda mais para momentos de crise e de peste, e com maior razão quando no vórtice endiabrado do redemoinho está uma questão de vida ou morte.
Em meio às ondas avassaladoras de uma tempestade que já acumulou 420 mil mortos, antes de seguir a rota e tomar o rumo de algum porto seguro, torna-se necessário e imperativo ouvir a tripulação. Uma vez que todos os navegantes se encontram no centro da tormenta, a consulta faz-se necessária, com redobrada atenção para aqueles que detêm maior experiência e/ou se especializaram na arte de navegar. Não basta dispor de bússola, timão, âncora e uma série de outros instrumentos de navegação. Nestes casos extremos, vale concentrar um ouvido aguçado sobre o conhecimento e o funcionamento de tudo o que temos à mão. Em outras palavras, urge levar em conta a voz experimentada da ciência.
Nisso chegamos ao núcleo da CPI. O que estamos cansados de ver em Bolsonaro, bem como nos seus colaboradores, seguidores e familiares são atos repetitivos à saciedade que demonstram uma atitude sólida de franco negacionismo. Desde que o coronavírus desembarcou em território nacional, ministros e subalternos do governo – seguindo de perto a cartilha do capitão – batem com força na tecla do menosprezo à “gripezinha”, tida como coisa de “maricas”. Daí a teimosia em marchar na contramão das orientações fornecidas pelas autoridades sanitárias, incluindo os responsáveis pelo Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Viu-se então o escárnio, o deboche e a indiferença diante do uso da máscara, do isolamento social e, o que é mais grave, o colapso do sistema de saúde público e privado.
Qualquer pessoa de bom senso conclui facilmente que essa postura obtusa e fanática, longe de representar um ato isolado, o qual possa ser eventualmente corrigido, denuncia e reforça uma atitude negacionista que, além do mais, se revela em outros campos da experiência diária e do conhecimento. Bolsonaro e o conjunto ideológico de seu governo simplesmente desconsidera o saber acumulado e consolidado através da história e da ciência. Prefere avançar, cego e míope, orientando-se pela bússola de um punhado de radicais, igualmente cegos e míopes, vestidos de verde e amarelo. Dessa forma, banaliza não somente as cores da bandeira nacional, bem como um patriotismo sadio, plural e aberto ao intercâmbio e ao diálogo intercultural. Banaliza, ainda, um “tratamento precoce” sem efeito no combate ao Covid-19.
Para utilizar as palavras do próprio presidente, a CPI deve sim colocar no colo e na conta de Jair Bolsonaro as centenas de milhares de cadáveres para cujo aumento incontrolável ele contribuiu decisivamente com seu negacionismo.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo, 8 de maio de 2021