Depressão é termo polivalente. Aplica-se ao desnível da estrada e à crise econômica. Outrora a medicina a denominava melancolia. Estado de desalento, desânimo, desesperança.
Eis o clima do Brasil hoje. “Numa terra radiosa vive um povo triste”, escreveu Paulo Prado em “Retrato do Brasil”. Não é para menos. O desemprego atinge quase 14 milhões de pessoas; a reforma trabalhista de Temer retirou direitos conquistados; o pré-sal é vendido a estrangeiros; o PIB recua; a violência urbana e rural se acentua; o assassinato da vereadora Marielle Franco prossegue sem elucidação; mais de 60% dos jovens gostariam de deixar o país; a seleção brasileira de futebol é derrotada na Copa; o presidente mais impopular da história do país ocupa o Planalto, e o mais popular, a prisão.
Hipócrates diria que os brasileiros se dividem hoje entre coléricos e melancólicos. As redes digitais propagam todo tipo de ódio e preconceito, enquanto as farmácias proliferam em cada esquina e faturam alto com a venda de Prozac e similares.
Max Weber definiu modernidade como “desencantamento do mundo”. E nós, desencantados com o Brasil? Essa baixa autoestima explica o índice recorde de votos brancos e nulos nas próximas eleições: um em cada quatro eleitores assim se posicionam (Datafolha, junho).
Difícil deixar o pessimismo para dias melhores. O panorama visto da ponte não inspira confiança de nos levar ao futuro, e há indícios de retrocessos (“Intervenção militar já!”). A riqueza mundial se afunila sobre a horda de miseráveis; 68,5 milhões de pessoas se deslocam pelo mundo em busca de um pouso acolhedor; a democracia dos EUA submerge aos humores imprevisíveis de um presidente xenófobo e racista.
Freud define a melancolia como luto patológico advindo da perda de um objeto que, em última instância, é o próprio eu. A pátria brasileira perdeu a identidade? Onde está ela? No bico de uma chuteira? No crescimento do PIB? Na cegueira da Justiça perante a corrupção?
O fator identitário é essencial à autoestima. Tanto de uma pessoa quanto de uma nação. Na esfera pessoal, muitos o buscam na religião, no êxito profissional, no apego ao cargo que ocupam. Na social, na confiança de que há empenho do governo na redução da desigualdade social, na melhora da economia, na inclusão dos que se encontram na miséria e na pobreza.
As tradições espirituais comprovam que duas vertentes se entrelaçam na vida daqueles que são exemplos de forte autoestima: imprimir à existência um sentido altruísta e perseguir um projeto coletivo de justiça e paz. São pessoas que abandonaram a zona de conforto e entregaram suas vidas para que outros tivessem vida. São multidão. A maioria, anônima. E poucos conhecidos: Jesus, Francisco de Assis, Gandhi, Luther King, Mandela, Teresa de Calcutá, Chico Mendes, Betinho etc.
Já a felicidade de um povo advém de sua autoestima como nação, de seu projeto histórico, de sua proposta civilizatória. Quando um povo abdica de perseguir um projeto de nação e se contenta na busca individual de melhoria de vida pelo consumo, ele se esgarça em coletividade anódina, refém dos caprichos do mercado e insensível aos dramas sociais.
Recuperar a autoestima supõe responder a esta questão: qual projeto de Brasil almejamos para as futuras gerações?
Frei Betto é escritor, autor de “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.