Passar do confronto à comunhão é a proposta-título do documento preparado por uma comissão de católicos e luteranos para celebrar os 500 anos da Reforma. Segundo a tradição, em outubro de 1517, o monge Martinho Lutero pregou suas teses na porta de uma igreja da Alemanha e começou o movimento que culminou com a fundação das Igrejas protestantes. Agora, ao celebrar os 500 anos desse acontecimento, católicos e evangélicos procuram compreender suas consequências históricas. Dialogam sobre os pontos sobre os quais não existe mais divisão e outros elementos sobre os quais ainda há muito a trabalhar.
Há alguns dias, pela primeira vez na história, o papa Francisco reuniu no Vaticano estudiosos da História, católicos e evangélicos para estudar a Reforma. O encontro abordava a história da Reforma e também a sua herança atual para todos os cristãos. No final de semana seguinte (07 a 09 de abril), em Campina Grande, diversas instituições promoveram um encontro ecumênico com a mesma finalidade: ver juntos a realidade e descobrir 500 anos depois da reforma, o que nos une e também o que ainda nos separa.
Atualmente, vivemos tempos radicalmente diferentes da época em que Lutero denunciou os abusos do clero e do papado. Hoje ainda, alguns setores da instituição eclesiástica escondem erros e pecados. No entanto, não se podem mais justificá-los com a autoridade divina. A Igreja Católica não legitima esses erros com doutrinas alheias ao evangelho, nem persegue as pessoas que os denunciam. Além desses fatores religiosos, a reforma de Lutero teve condicionantes culturais importantes. Desde o século XIV, o Renascimento dava aos intelectuais uma autoridade na leitura dos textos antigos como nunca havia ocorrido antes. E, no plano político, a soberania do papa e o poder do Imperador Carlos V começavam a ser postos em questão pelos príncipes alemães. Esses encontraram em Lutero uma boa razão para invocar a independência de Roma.
Com o Concílio Vaticano II que, de 1962 a 1965, reuniu em Roma todos os bispos católicos para levar adiante a renovação da Igreja, a Igreja Católica aderiu ao movimento pela unidade dos cristãos. O papa Paulo VI pediu perdão aos irmãos de outras Igrejas pela parte de culpa que a Igreja Católica teve na divisão. E o Concílio reconheceu como verdadeiros muitos pontos defendidos por Lutero no século XVI e que na época foram condenados pelos papas. Até os anos 60, só os protestantes tinham contato direto com a Bíblia. Hoje, no mundo inteiro, tanto na Igreja Católica, como nas Igrejas evangélicas, o movimento mais importante é a renovação dos estudos bíblicos que atingem todos os fieis e já não distinguem se os estudiosos são dessa ou daquela confissão. Desde então, a prioridade da Bíblia como única fonte de fé, o reconhecimento do sacerdócio real de todas as pessoas batizadas e a convicção de que Jesus Cristo é o único salvador são pontos da fé cristã defendidos por todas as Igrejas. No entanto, no plano institucional, elas continuam separadas. Em 1999, a Igreja Católica Romana e a Federação Luterana Mundial assinaram um acordo sobre a Justificação pela Fé, principal ponto que dividia as Igrejas. Alguém podia pensar que não havendo mais nenhum motivo profundo de divisão, as Igrejas pudessem ter encontrado sua unidade. Isso não ocorreu e ninguém nega que ainda existem elementos que mantêm a divisão.
No Vaticano, desde o começo do seu ministério como bispo de Roma, o papa Francisco gosta de insistir em um princípio medieval que Lutero retomou em seu tempo: A Igreja Cristã deve se reformar permanentemente. Assim, a comemoração dos 500 anos da reforma de Lutero terá um efeito mais atual se todas as Igrejas se derem conta de que, hoje, precisam urgentemente de outra reforma. Não se trata de romper com a tradição. O objetivo é expressar a proposta do evangelho em termos atuais, de modo que as novas gerações possam compreender e amar. Afinal, os cristãos creem em um Deus, cuja última palavra na Bíblia foi: “Faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5- 7).
Marcelo Barros