Artigo publicado originalmente no Boletim Rede
“Quem é esse viajante, quem é esse menestrel?
Que espalha esperança e transforma sal em mel?
Quem é esse saltimbanco,
falando em rebelião,
como quem fala
de amores
para a moça do portão?
Milton Nascimento
Numa eleição para o governo do Estado do Rio, Leonardo Boff perguntou ao seu amigo Jether Pereira Ramalho se deveria assinar um documento. Este respondeu: isso não é democrático! O teólogo católico acatou. O teólogo protestante Rubem Alves lhe envia os livros, antes de mandá-los à editora. Mais: convenceu filhos, netos e bisnetos que preferia um culto de ação de graças a uma festa. O pregador foi este amigo.
O segredo é muito trabalho, com muito amor e por muito tempo. Desde muito jovem sempre se preocupou com esta constante divisão e, às vezes, até concorrência entre aqueles que têm o mesmo Deus, aceitam o mesmo salvador e têm o mesmo texto comum de consolo, ensinamento e inspiração. Essa preocupação o levou a trabalhar com jovens da Igreja Congregacional, da Confederação Evangélica do Brasil e dos congressos nacionais da juventude evangélica.
Entrou na Universidade e aproveitou as aulas do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais para ganhar substância teórica e combinar doutrina, fé e seus reflexos na vida. Concluiu o curso, foi assistente do sociólogo Evaristo de Moraes e tornou-se professor. No mestrado estudei os colégios evangélicos, a estratégia do protestantismo para penetrar no Brasil, uma sociedade fechada a uma só versão do cristianismo, a católica. Ela consistia em promover a formação do pensamento liberal, através dos colégios metodista, presbiteriano e batista.
Como ajudar as igrejas a tornar a sua presença mais efetiva no mundo… a presença ecumênica deve ter um compromisso social, frente às injustiças e à pobreza. Com essa inquietação, passou a atuar na comissão Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL) e na Ação Social da Confederação Evangélica do Brasil. Viagens e reuniões para conhecer a presença social das igrejas. Desses congressos, lembrou o amigo Godofredo Boll. Exerci cargos, fui formador de lideranças e viajei por toda a América Latina. Na mesma época em que os evangélicos viam a Igreja Católica como alvo da missão, aconteceram dois fatos relevantes: o Concílio Vaticano II e a Conferência do Episcopado latino-americano em Medellín. O impacto fez com que nos aproximássemos dos católicos do Brasil e da América Latina. Passamos a ter os mesmos ideais, consolidados no Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
Ajudou a fundar projetos de formação do movimento ecumênico como o Centro Evangélico de Informação (CEI), que se transformou no Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), com elementos de pensamento, julgamento e interpretação da realidade. Atuou na Comissão de Participação das Igrejas (CMI), coordenando os movimentos ecumênicos leigos na América Latina. Ao multiplicarem-se viagens e reuniões para diversos países, deixou a Universidade, se aposentando no início dos anos 70. Com a ajuda da esposa Lucília, sentiu o impacto da rotina, mas não um corte na busca dos ideais.
Reorganizou seu tempo e energias. Tive a petulância de organizar um encontro dos 96 organismos ecumênicos da América Latina, no qual fui assessorado por Milton Schwantes, Júlio de Santana e José Oscar Beozzo, e do qual saiu o livro Projetos de Esperança. Dirigiu a revista Tempo e Presença por 15 anos e integrou o grupo fundador do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), há 25 anos. Felizmente, a gente é substituído por outras pessoas, que vão introduzindo novas ideias e concepções. A sociedade também mudou: a queda do socialismo, nova organização e conquistas como a valorização das mulheres e da natureza, e as diversidades étnicas.
Ao completar oitenta anos concluiu: nesses últimos cinco anos estou lendo mais, embora fuja da leitura clássica. Através do romance e da ficção, você compreende outras culturas. E com isso, novos enriquecimentos da visão e dos sentimentos. Ao colher os frutos que semeou, trocou a festa pelo culto de ação de graças, para agradecer a Deus por esses anos de vida, e principalmente, estes últimos. A velhice não mudou a luta, a vontade e o anseio de ver algumas coisas que sempre considerei importantes.
Na maturidade, redescobriu o sentido de vida e flexibilizou o ritmo, mas seguiu atuando, escrevendo artigos e propondo temas aos movimentos. Acabou o estresse e ficou o prazer. Sem perder em qualidade! Participa das reuniões do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular (CESEEP) e do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade (CAALL). E ainda atende os amigos. O discurso que o Presidente Lula dirigiu à 8ª Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas em Porto Alegre (fev. 2006) esteve antes no seu computador.
Antonio Carlos Ribeiro Pastor Luterano, Teólogo e Jornalista.