Com satisfação, é apresentado o relato do cursista Alexandre da Silva, que participou com entusiasmo do Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso. Ao longo dessa jornada, Alexandre teve a oportunidade de mergulhar em um ambiente de aprendizado enriquecedor e inspirador, sendo desafiado a refletir sobre a relevância do diálogo inter-religioso e sua contribuição para um mundo mais justo e harmonioso. Agradecemos ao Alexandre pela partilha de experiências e inspirações.
A todos os leitores e leitoras, é feito o convite para lerem com atenção o relato de Alexandre e se engajarem nessa causa importante para a sociedade. Que juntos, possam seguir o caminho da compreensão, solidariedade e paz.
Com gratidão e fraternidade,
Coordenação do Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso.
É tempo de deixar de ser o que não somos.
Alexandre da Silva[1]
“[…] e tendo os pés calçados com prontidão do evangelho da paz […]” Efésios 6.15
A partir da experiência do Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso de 2023, inicio uma nova etapa da minha vida. Nesta jornada, encontro-me diante de uma realidade contraditória e indissociável: a fusão da minha cultura cristã-eurocêntrica com as culturas indígena e africana que me constituem e permeiam todo o meu ser, desde a estética até o modo de pensar, agir e ser.
Essas culturas foram historicamente subalternizadas, marginalizadas e estereotipadas. O curso também me provocou o reconhecimento da importância de “Nossa América”, resultado de uma herança colonial, mas, ao mesmo tempo, fruto de resistências e processos de libertação. É essencial compreender que todo o processo de colonização representou uma guerra contra os povos originários.
O curso provocou-nos em vários momentos; em um deles, fomos interpelados pela seguinte pergunta: ‘Em que momento perdemos a capacidade de dialogar?’ Tal pergunta causou espanto e nos fez refletir. No decorrer do curso, ficou evidente a todos nós que o diálogo inter-religioso não só é possível, como também necessário. Sem diálogo, não há possibilidade para a paz no mundo.
Teixeira (2008) afirma que, para melhor dialogar, ninguém precisa romper com sua religião ou com sua própria cultura e herança. Muito pelo contrário, o diálogo inter-religioso tem base na reciprocidade e alteridade, uma abertura mútua ao ‘outro’, o reconhecimento da beleza da diversidade religiosa. Esse diálogo implica numa partilha de vivências, experiências e saberes, porém sem o sentimento de superioridade ou hegemonia de um para com o outro.”
É tempo de deixarmos de ser o que não somos, o que os brasileiros, povos latinos e caribenhos não são. Não somos intolerantes, não somos cultivadores e apoiadores da violência, não apoiamos discursos de ódio, não somos gananciosos e não somos a favor de guerras. Se nos tornamos reprodutores desse jeito de ser, grande parte foi culpa da colonização. Manoel Bomfim denunciava, já em seus dias, o parasitismo cultural; José Marti, em sua obra ‘Nuestra América’, afirmava que Nossa América pode se libertar da dominação Ibérica. Sendo assim, conhecer nossas raízes históricas é fundamental nesse processo de libertação.
O Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso de 2023 teve a presença de cubanos, paraguaios e brasileiros de muitas regiões do país. Essas interações de vivências, experiências e troca de saberes possibilitaram reafirmar que o povo latino e caribenho é solidário, respeitoso, cultivador da cultura de paz, diverso, plural, difuso, indígena, africano, europeu, místico, espiritualista, acolhedor, afetuoso e tantas outras coisas mais. É isso que somos e é isso que queremos continuar a ser. Betancourt (1994) afirma que é preciso ouvir as diferentes vozes que elevam sua fala carregada de contexto e cultura.
Curso demonstrou seu empenho na construção e manutenção de uma “cultura da não violência”, afirmando aos participantes que, independentemente da religião que professam, nossa missão não é promover ódio, discórdia ou fanatismos, mas sim afetividade, reciprocidade, mutualidade, respeito, justiça e paz. Saímos do CESEEP desafiados a viver uma espiritualidade acolhedora e aberta, capaz de se transformar pelo encontro com o “outro”.
Além disso, aprendi a enxergar Deus no “outro” e a ver beleza na diversidade, valorizando a crença diferente da minha não como algo folclórico, mas real e verdadeiro. Religião, para além de todas as definições, também é diferença, diversidade e pluralidade. É preciso aprender a amar quem pensa diferente, crê diferente e não eliminar as diferenças. Não podemos, de antemão, “demonizar” ou “angelizar” uma tradição ou cultura, pois não possuímos essa prerrogativa.
Desejo contribuir com o discurso ecumênico e diálogo inter-religioso de forma inteligível e acessível a protestantes, católicos, indígenas, afro-brasileiros, islâmicos, judeus, hindus, não religiosos, ateus, espiritualistas e todos aqueles que lutam por um mundo de justiça e paz. Quero sentar à mesa para um diálogo afetuoso e respeitoso. Tenho consciência de que tratar de religião é pisar em solo sagrado, envolvendo emoções, valores e experiências biográficas particulares. Para mim, o caminho ainda é novo, enquanto para outros, já é uma longa peregrinação. Entretanto, em meio às minhas dúvidas e questionamentos, prefiro acolher a diversidade, mantendo minha identidade aberta e em constante construção, pronta para a dinâmica do aprendizado.
O diálogo inter-religioso permanece como um desafio histórico que estamos obrigados a assumir para a construção de um mundo mais justo, solidário e afetivo. O Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso de 2023 levou-me a um deslocamento de fronteiras, a um compromisso e a uma busca humilde pela minha ancestralidade, pelas minhas raízes históricas indígenas e afro, enriquecida pelo convívio com a alteridade. Amém, axé, namastê, saravá, aguye e tudo mais que houver.
[1] Participante do Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso de 2023. Mestrando em Ciências da Religião, na Pontífice Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG).
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