O planeta Terra está doente. A humanidade padece uma crise profunda que tem diversas faces. Apresenta um desequilíbrio social e uma organização política iníqua. Sustenta uma economia que, cada vez mais, concentra renda. Oito pessoas possuem uma riqueza equivalente a mais de três bilhões de seres humanos. E ainda destrói a natureza de forma implacável. Em países como o Brasil, a violência toma formas realmente assustadoras. Esse é o contexto no qual, nesse domingo, as Igrejas cristãs antigas começam a Semana Santa e, a partir da próxima 5ª feira, celebrarão a festa anual da Páscoa de Jesus.
Alguém pode se perguntar o que uma coisa tem a ver com a outra.
Muitos cristãos tradicionais – católicos, ortodoxos e evangélicos, tanto fieis, como pastores/as, não se preocupam em ligar a fé com a realidade social e politica. Para essas pessoas, a fé diz respeito apenas à intimidade de cada consciência e ao âmbito interno dos templos nos quais o mistério é celebrado. Eles e elas repetirão os mesmos ritos, ouvirão as mesmas leituras e cantarão os mesmos cânticos, como se nada tivessem a ver com o mundo real em que vivemos.
Cristãos mais exigentes se perguntam se tem sentido celebrar a ressurreição de Jesus em meio a um mundo que vive mergulhado nas cruzes nossas de cada dia. Não há respostas fáceis, nem prontas. No entanto, podemos pensar que, ao contrário, é justamente pelo fato de que o mundo está aprisionado às forças da morte que mais precisamos celebrar a Páscoa. A celebração pascal pode alimentar a esperança da libertação integral e de uma vida nova com a mensagem transformadora da ressurreição de Jesus. Se Jesus ressuscitou realmente e nós podemos ser testemunhas do Ressuscitado, esse mundo tem remédio, Podemos acreditar que a salvação divina está em ação na humanidade e na natureza. A ressurreição de Jesus é energia curadora que renova a vida, o amor solidário e dá razão a todas as nossas melhores esperanças. No entanto, é bom sempre insistir e repetir: isso não ocorrerá magicamente e nem independentemente de nossa ação.
Quando na quinta-feira santa, os cristãos estiverem lembrando a ceia de Jesus, precisam se dar conta de que cada vez que celebram a eucaristia, deveriam se comprometer em levar uma vida movida pela partilha real e radical de tudo o que temos e o que somos. Na sexta-feira santa, celebramos a cruz de Jesus como Páscoa de vida. Isso significa escutar o apelo de Deus para nos solidarizarmos a todos os que, no mundo atual, continuam pregados à cruz e morrem vítimas das violências, das injustiças sociais.
Que o martírio deles e delas seja cada vez mais fecundo e possa resultar em libertação e vida para todos/as. Finalmente, na noite do sábado santo, ou na madrugada do domingo, celebraremos a vigília-mãe de todas as celebrações cristãs. Proclamaremos que, como Luz que ressurge no meio da escuridão da noite, Jesus ressuscitou. Então, a humanidade inteira, cristãos e não cristãos, somos chamados a ressuscitar com ele para iniciar uma vida nova e, assim, trabalharmos nas comunidades e movimentos sociais para transformar o mundo e renovar o universo com a força do amor divino. Que essa celebração pascal nos dê a graça de nos tornarmos novas criaturas que semearão nesse mundo doente as sementes de um novo mundo de amor e justiça.
Marcelo Barros de Sousa, monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.