O Curso de Verão 2017 já começou! Tanto para os monitores, que desde o meio do ano participam de formações e reuniões, quanto para os palestrantes que no ano que vem, virão partilhar conosco suas vivências de construção de uma cultura de paz em tempos de violência.
Para nos introduzir um pouco no tema do Curso de Verão 2017: “Educar para a paz em tempos de injustiça e violência”, apresentaremos algumas entrevistas com os convidados que serão expositores durante o Curso.
A entrevistada dessa vez é Regina Reinart, encarregada de projetos no Brasil – Departamento América Latina da Misereor – que falará sobre o projeto que desenvolve em Salvador, Bahia, na acolhida a mulheres que tiveram seus filhos/as assassinados.
Ceseep – Qual a importância de, em tempos como os que vivemos, educar as pessoas para a paz?
Regina Reinart – A paz não cai do céu, a paz é trabalho interno e externo, a paz é construída e demanda atenção, coragem e disposição entre tantas outras atitudes. Educar para a paz é um dever contínuo. Não para nunca. Nos tempos da injustiça, educar para a paz, significa se empenhar pela justiça, pois somente dela – como se diz – “brota a paz” (Is. 32,17). “Educar” para a paz significa muito mais do que participar num curso, mas sim, “educar” é ligado à convivência consigo, com o mundo/a sociedade e com o nosso planeta. Paz plena só haverá quando as pessoas se encontrarem em um estado de paz consigo, na sociedade e vivendo em harmonia com a criação, o planeta.
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Ceseep – Na sua exposição falará sobre “Ser presença no contexto de violência: Desespero e esperança de mulheres cujo filhos foram assassinado em Salvador /Bahia” poderia adiantar pontos sobre essa questão?
Regina Reinart – Ser presença neste contexto é uma escuta empática, ser presente significa ir ao encontro da mulher que perdeu o seu filho e/ou sua filha. Este “ser presente” é um ato ativo e pede da pessoa que se encontra no papel da escuta plena disposição, sendo presente sem nenhuma outra preocupação a não ser ali, 100 % presente. Para alcançar isso, precisa tanto uma preparação quanto um carisma próprio.
No contexto da violência reina a lei do silêncio. Ninguém gosta de falar da dor e expor feridas, lembrando-se que partilhar fatos em volta da morte violenta significa arriscar a vida. Porém quanto mais a mulher que sofreu a perda definitiva do filho/filha fica sozinha, literalmente trancada no mundo próprio sem partilhar a dor, essa se torna doença. Quantas mães que encontramos nesta situação sofre da depressão profunda. Então, “ser presente” é nossa responsabilidade, é uma contribuição preciosa à inclusão das pessoas que sofrem que se tornam protagonistas das suas histórias. “Ser presente” é um instrumento de empoderamento, libertação e justiça.
Ceseep – Como é trabalhar junto a famílias que foram destruídas por esses atos de violência?
Regina Reinart – Em primeiro lugar, caminhar com as famílias afetadas por atos de violência, neste caso da morte violenta, é um privilégio. Através deste trabalho, que hoje em dia está sendo feito por pessoas do próprio bairro e da cidade de Salvador como também de missionárias tanto da África quanto da Europa, todas as pessoas envolvidas crescem e aprendam a lidar com a questão da ferida profunda da perda definitiva. Têm momentos de muito sofrimento, mas têm também momentos durante as quais nasce algo novo. Parece que a dor costurou um tecido que embala de um modo muito terno e cuidadoso. Este trabalho tem linha, igual no mundo de costura com tecido, que cria laços muito fortes. Os dias ganham outros sentidos. De repente, as datas dos aniversários do nascimento e da morte das pessoas são lembradas, no Dia das Mães, no Natal e no Ano Novo os nomes parecem inscritos nos nossos corações. Trabalhar com as famílias também pede um trabalho profundo com o mundo emocional e psicológico, tanto de nós mesmos/as quanto das pessoas que partilham conosco a dor num espaço seguro (e eu diria até sagrado). Este espaço se caracteriza por respeito, confiança, paciência, enfim: amor. Interessante também é que nem sempre as mães estão querendo partilhar. Às vezes, é só, permanecer no silêncio. Têm outros dias, querem partilhar problemas não necessariamente ligados à morte violenta, mas da situação familiar em geral, da situação financeira, dos problemas de saúde etc. Trabalhar com as famílias é muito dinâmico.
Ceseep – “Ser presença” é o máximo que pode ser feito por essas famílias?
Regina Reinart – O que seria do mundo se todos/todas nós fossemos presentes! Infelizmente, pouquíssimas pessoas abraçam o chamado de “ser presença” neste contexto. Pois é um trabalho muito intenso e forte. Lamentavelmente, são poucos bairros que têm projetos igual o “Projeto Consolação”. Acredito que Salvador ou outras cidades afetadas pelo juvenicídio brusco que vivemos no Brasil precisa de muito mais gente para “ser presença”. Este trabalho inclui ir além, acompanhar para a justiça, ser aberto/a a transformação e disposto/a a mudar até a própria vida.
Quando se fala do “ser presença” falamos também da articulação com muitas outras instâncias, tanto das ONGs na área social quanto as agências que trabalham com os direitos humanos. É neste conjunto que avançamos rumo a um mundo melhor. No nível local, regional, nacional e internacional ainda tem que ser feito muita incidência política. Para empoderar as mães, o “ser presença” é um passo essencial para esta incidência.