“Educação de gênero na perspectiva racial: ensinar e aprender com as mulheres negras” foi o tema discutido na quinta noite do Curso de Verão 2023, promovido pelo CESEEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular).
A assessoria ficou por conta de Suelaine Carneiro, socióloga, feminista, mestre em educação e coordenadora do programa Educação e Pesquisa de Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Fundado em 1988, o Instituto Geledés é uma organização que se posiciona em defesa de mulheres e negros em função do racismo e do sexismo.
Geledés se compromete e atua nas diferentes formas de discriminação ainda presentes na sociedade brasileira. “Atuamos na plena realização de direitos para todas as pessoas. Nos posicionamos contra lesbofobia, homofobia e transfobia. Contra os preconceitos regionais, racismo religioso, discriminação contra as pessoas com deficiência e preconceitos de classe social.”, enfatizou Suelaine.
O Programa
A área de Educação e Pesquisa de Geledés atua para assegurar e expandir os direitos educativos, sobretudo das mulheres e da população negra. Tendo, assim, o compromisso com a educação pensada como um direito humano.
“E cabe ao Estado promover uma política de qualidade, gratuita, sem discriminação ou preconceito. Ela tem que ser inclusiva, laica e tem o dever de garantir não só o acesso, mas também a permanência e a conclusão nas diferentes etapas de ensino”, expôs Suelaine.
Além disso, a socióloga enfatizou que o programa tem ainda compromisso com a educação popular e formação comunitária, como o próprio CESEEP faz. “Também realizamos e acreditamos nesse formato. É uma maneira de educar que possibilita a mobilização social, o diálogo com diferentes pessoas, a construção das evidências sobre como as situações de racismo e sexismo têm impactado a vida da população negra e das mulheres”, discorreu.
O Programa luta também pela efetivação das políticas públicas de educação, com base no que já foi conquistado tanto na legislação nacional, quanto internacional. “A legislação é o nosso melhor instrumento para defendermos o direito de educação de qualidade”, disse Suelaine.
Ela também defendeu que por meio da educação é preciso lembrar e valorizar as contribuições de afro-brasileiros e africanos na construção da nação brasileira, para combater os sistemas de ensino que mantém ativas práticas e concepções que excluem negros e negras da construção histórica.
Racismo e o sexismo como elementos estruturais
Para Suelaine, não tem como não materializar os desafios vivenciados até hoje pela população negra, sobretudo, pelas mulheres negras. O que dificulta a equidade de gênero e raça.
Para exemplificar, ela apresentou um gráfico de uma pesquisa comparando a diferença de salários entre homens e mulheres.
“Isso também é uma violação de direito. A violência no que diz respeito ao salário, não pode ser normalizado”, firmou Suelaine.
Utilizando outra pesquisa com foco nos rendimentos e posicionamento de mulheres e homens negros e não negros no mercado de trabalho, Suelaine conduziu os cursistas a refletirem sobre a desigualdade racial e de gênero presente na sociedade brasileira.
“Mesmo tendo ocorrido mudanças na sociedade e conquistas, ainda há diferença a partir da cor e do sexo. Isso é permanente na nossa sociedade. Não podemos mudar mantendo diferenças e desigualdades”, frisou Suelaine.
“É um grande desafio, em pleno 2023, dessa sociedade que está passando por um desafio tremendo de se manter democrática. Precisamos olhar e pensar as desigualdades no mercado de trabalho. Já passou do tempo de solucionarmos isso”, acrescentou.
Educação e conservadorismo
“Pessoas, instituições, pesquisadores comprometidos com a educação como um direito humano, uma educação transformadora, têm se preocupado e atuado para enfrentar o conservadorismo na educação”, afirmou Suelaine.
Isso porque, segundo Suelaine, esses grupos ultraconservadores e ultraliberais atuam juntos na violação do direito de ensinar e aprender sobre gênero e raça e, ainda, contribuem para uma instabilidade institucional, gerando conflitos entre estudantes, docentes, familiares e parlamentares. “Criam crises, conflitos, mentiras e, principalmente, desqualificando as pessoas”, comentou.
Para a socióloga, a atuação desses grupos ganhou forças na pandemia. “Mas desde o golpe da presidenta Dilma que eles vêm se fortalecendo. A morte da Marielle foi outro marco forte desses grupos que se sentem protegidos de que podem fazer o que bem entenderem”, avaliou.
Educação na pandemia
Em 2020, em meio a pandemia, o Instituto Geledés realizou a pesquisa A Educação das Meninas Negras em Tempos de Pandemia: o aprofundamento das desigualdades, que avaliou os impactos do afastamento das escolas nos direitos educativos das meninas negras. Grupo que já estava em situação de vulnerabilidade antes da pandemia.
O estudo, que foi realizado no município de São Paulo, constatou que as meninas negras foram as mais afetadas pela adoção do ensino remoto mediado por tecnologia digital. Elas foram as que mais tiveram dificuldades para acessar o material pedagógico e as que menos conseguiram realizar as tarefas.
O mesmo estudo contempla ainda uma série de recomendações para garantir o processo educativo das meninas negras.
Dentre as recomendações é destaque a necessidade de se pensar nas famílias das estudantes. “Quando você olha as condições sociais da população negra, você precisa olhar para as condições de vida dessa população. Você precisa de programas que garantam condições socioeconômicas para as famílias negras”, apontou Suelaine, enfatizando que não dá para pensar a educação separada das outras áreas sociais.
Suelaine comentou ainda quais os compromissos que a sociedade precisa assumir para se tornar racialmente justa, e se manter efetivamente democrática. “É necessário que cada vez mais, não só façamos estudos e pesquisas em que trazemos interseccionalidade e mostramos as diferentes formas de violências e provações. Mas também é necessário nos comprometer, vocalizar e explicitar que não estamos pactuando com as violações”, enfatizou.
“É necessário que nos coloquemos também como pessoas comprometidas com a equidade racial. O silêncio não nos protege. Pelo contrário. O silêncio faz com que sejamos incluídos no grupo do opressor”, concluiu Suelaine.
Ira Romão
Equipe de Comunicação