Não sou propenso a adivinhações, mas é da natureza humana imaginar o futuro, sem o que perderíamos a disposição de viver. Nossa alma é nostálgica; a mente, prospectiva. Ao menos pressupomos, ao levantar da cama, como será o dia de hoje.
Mas não custa imaginar o amanhã. A etiologia da conjuntura se dá, como na medicina, a partir de determinados sintomas. E, nas relações de trabalho, a pandemia de Covid-19 generalizou o trabalho remoto, tornado possível graças à rede de internet. Essa modalidade improvisada em benefício da reclusão doméstica e do distanciamento social tende a ser amplamente adotada.
Como a economia capitalista visa, em primeiro lugar, ao lucro, ganham as empresas mantendo os funcionários em suas casas. Isso representa economia de transporte, água, energia, alimentação, aluguel de salas ou outros imóveis. Interessa aos governos das metrópoles, pois reduz o trânsito e a emissão de gás carbônico. Mas, na outra ponta, onera o funcionário, obrigado a transformar seu lar em um anexo da empresa. E assumir todos os custos materiais e espirituais que isso implica, como arcar com a alimentação no horário de trabalho e se ver forçado a traçar uma linha invisível, no âmbito doméstico, que o distancia de filhos e demais parentes.
No futuro, desaparecerão as oficinas mecânicas. A tendência é a adoção do carro elétrico, cujo motor é composto por cerca de 20 peças. O atual, a gasolina ou diesel, requer cerca de 20 mil peças! E a eletricidade, comparada ao preço do combustível, torna o custo do quilômetro rodado muito mais barato com um veículo elétrico.
Os carros elétricos serão vendidos com garantia vitalícia, serão reparados somente pelas concessionárias, e leva apenas 10 minutos remover e substituir um motor elétrico.
As bombas de gasolina darão lugar às estações de recarga elétrica. Isso significa levar à falência as indústrias de carvão, as empresas petrolíferas, decretar o fim da OPEP e dar fim ao acúmulo de petrodólares por parte dos países do Oriente Médio.
Uma criança nascida hoje, quando adulta, só verá carros movidos a combustível fóssil em museus. As empresas de energia fóssil estão tentando desesperadamente limitar o acesso à rede para evitar a competição das instalações solares domésticas, mas isso não pode deter o progresso. A tecnologia cuidará de torná-las obsoletas.
Os carros elétricos se tornarão populares em 2030. As cidades serão menos barulhentas porque todos os carros novos funcionarão com eletricidade.
Elon Musk, fundador da Tesla, a maior fabricante de carros elétricos do mundo, inventou o telhado solar – telhas fotovoltaicas que, apesar de terem a aparência de telhas feitas de barro ou pedra, são de vidro temperado e texturizado. A aparência é a mesma de um telhado normal. A casa armazena energia elétrica durante o dia, usa-a e vende o excedente à rede que armazena e distribui às indústrias, grandes consumidoras de eletricidade.
Em 2018 começaram a circular os primeiros carros autônomos. Em breve, ninguém precisará comprar um carro. Basta ligar pelo celular e o carro estacionará na sua porta pronto para levá-lo ao destino. Com outra vantagem, não precisaremos buscar onde estacionar ou pagar estacionamento. Como no táxi, pagaremos apenas pela distância percorrida. Isso significa que os bebês de hoje, quando adultos, jamais precisarão tirar carteira de motorista ou comprar um veículo.
As cidades agradecem! Com muito menos carros nas ruas, o ar que respiramos estará mais limpo e os estacionamentos poderão ser transformados em parques.
No Brasil, quase 30 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito por ano, e quase 2 milhões em todo o mundo. Graças à direção autônoma, o índice passará de 6 para 1, o que significa mais de 1 milhão de vidas salvas anualmente no planeta. As seguradoras terão grandes problemas porque, sem acidentes, os custos ficarão mais baratos.
Toda essa inovação deve levar a maioria das montadoras tradicionais à falência. Elas, sem dúvida, tentarão fazer carros melhores, enquanto as empresas de tecnologia (Tesla, Apple, Google) lançarão um computador sobre rodas…
Na natureza nada se perde, tudo se transforma, já dizia Lavoisier. Na tecnologia também. Em 1998, a Kodak tinha 170 mil funcionários e vendia 85% de todo o material fotográfico utilizado no mundo. Em poucos anos, o processo fotográfico sofreu drástica modificação graças à evolução digital. As câmeras digitais foram inventadas em 1975. Com a popularização dos smartphones, hoje são raros os consumidores de câmeras fotográficas.
Agora entramos na era do software, que ameaça tudo que conhecemos em matéria de empreendimentos. O UBER, por exemplo, é apenas uma ferramenta de software. A empresa não possui nenhum carro, jamais contratou motoristas e, no entanto, é a maior empresa de táxi do mundo! O Airbnb é, hoje, a maior empresa hoteleira do mundo, embora não possua um só quarto para alugar! Pergunte aos grupos Best Western e Accor se previram isso.
A Inteligência Artificial avança a passos acelerados. Computadores já são campeões de torneios, como os de xadrez, muito antes do que se esperava.
Nos EUA, jovens advogados têm dificuldades de obter emprego. Qualquer cidadão que recorrer ao Watson da IBM consegue orientações jurídicas. Pode-se obter aconselhamento jurídico em segundos, com 90% de precisão em comparação com 70% quando feito por humanos. Portanto, se você estuda Direito, reflita. O Watson já ajuda, inclusive, a diagnosticar câncer, e com precisão quatro vezes maior que os médicos. Em 2030, os computadores se tornarão mais inteligentes do que os humanos.
A ficção se faz realidade e revolucionará o sistema de saúde. Na série científica de ficção, intitulada “Star Trek”, há um sofisticado aparelho portátil chamado tricorder ou tricodificador capaz de escanear retina, amostra de sangue, respiração etc. Tudo isso pelo celular. Pois bem, o tricorder já existe. Dispõe de um sistema que analisa 54 biomarcadores capazes de identificar quase todas as doenças.
E prepare-se para presenciar a mais intensa guerra virtual: a dos governos com as grandes corporações digitais, que são privadas, como Google e Facebook, hoje mais poderosas que qualquer Estado. Já imaginou se uma delas suspende suas atividades por 24 horas? O mundo entra em colapso.
Bem-vindo ao amanhã!
Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org