O Brasil parece sofrer da síndrome de ódio. Contamina mais que dengue ou zika vírus. Basta acompanhar as redes sociais.
As veias abertas do nosso país se devem ao fato de a nação não ter sido politizada ao longo dos últimos doze anos. Os movimentos sociais e suas mídias não foram valorizados pelos recursos do governo.
Isso me lembra das peladas de minha adolescência no lote vizinho à minha casa, que decidimos capinar e transformar em campinho de futebol. Todas as vezes que o nosso time perdia, a partida terminava em luta corporal. Havia meia dúzia de jogadores inconformados e sem o menor respeito às regras do jogo.
É o que acontece, hoje, em relação à conjuntura política. Ao ver o governo do PT na berlinda, parcela da esquerda prefere culpar a grande mídia, a oposição, o juiz Sérgio Moro, como se tudo resultasse de uma grande armação para destituir Dilma do cargo para o qual foi democraticamente eleita.
Sim, há direcionamento partidário na Lava-Jato, vazamento seletivo etc. E a direita está eufórica com o desgaste do PT e do governo. Tem tanta sede de poder que não suporta aguardar os três anos que Dilma tem pela frente. Quer logo o impeachment, mesmo com o risco de Temer assumir ou, no caso de cassação da chapa, o terceiro na linha sucessória: Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.
Porém, não é fato que a esquerda sempre acusou o Judiciário de jamais condenar grandes empresários e banqueiros? Sempre se mostrou indignada frente à corrupção? E ecoou a famosa frase de Fidel: “Um revolucionário pode perder tudo, até a vida, menos a moral.”
Não há também como negar que o governo Dilma patina, patina, e não avança. O desemprego e a inflação alcançam dois dígitos e a recessão se agrava.
Por que o partido que ostentava a ética como bandeira de confiabilidade acabou permitindo que alguns de seus dirigentes se lambuzassem ao provar o gostinho da corrupção? E afinal, os que estão na cadeia são ou não culpados? Cadê o Conselho de Ética que, no passado, por muito menos, expulsou quadros do PT?
Nos tempos do Partidão era costume a militância fazer autocrítica. Reconhecer erros e redefinir propósitos. Por que o PT não dá ouvidos a Tarso Genro e Olívio Dutra, que continuam a insistir para que o partido faça autocrítica?
Um projeto popular da dimensão do que o PT representou nas eleições de 2002 não mereceria naufragar como o Titanic, tão majestoso e promissor e, no entanto, incapaz de sobreviver às borrascas de promíscuas alianças políticas.
Se os movimentos sociais e a militância de esquerda não reagirem propositivamente, e ficarem apenas acumulando pedras para jogar na Geni, o Brasil, infelizmente, haverá de passar do Estado de Direito para se tornar, de novo, um Estado da Direita.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff e Mario Sergio Cortella, de “Felicidade foi-se embora?” (Vozes), entre outros livros.