Por Luis Henrique Vieira, jornalista que integra a equipe do Coletivo Bereia, pastor da Igreja Cristã Carioca
Reprodução: Coletivo Memória & Utopia
Durante a roda de conversa “Memórias e Lutas”, transmitida ao vivo pelo YouTube, em 5 de junho passado, cinco jovens lideranças religiosas do campo progressista se uniram ao teólogo e ativista católico Frei Betto e ao pastor metodista e teólogo do Coletivo Memória & Utopia Cláudio Ribeiro para discutir o tema caro aos movimentos sociais: o diálogo intergeracional.
O evento virtual, intitulado “Memórias e Lutas: roda de conversa entre lideranças jovens e Frei Betto”, foi promovido pelo Coletivo Memória & Utopia em parceria com o Instituto de Estudos da Religião (ISER), o Centro Ecumênico de Evangelização e Estudos Pastorais (CESEEP), o Movimento Laudato Si, o Djanira – Instituto de Pesquisa e Ensino, o Movimento Juventude e Espiritualidades Lbertadoras (MEL) e Novas Narrativas Evangélicas.
A roda de conversa foi motivada pelos debates provocados por uma carta aberta, publicada no Portal das CEBs, intitulada “Cabelos Brancos”, na qual o frade dominicano expressou a sua inquietação com a ausência de jovens no 12º Encontro Nacional do Movimento Fé e Política, realizado em abril passado, em Belo Horizonte (MG). A publicação foi objeto de reações dentro do campo político da esquerda, religiosa e não religiosa, e gerou contribuições muito significativas para o debate (veja o link de cada uma delas ao final)
As inquietações de Frei Betto também reverberaram no Coletivo Memória & Utopia. Ainda em 2020, no seminário de lançamento da proposta do grupo, o Coletivo percebeu a elevada média de idade de seus participantes. “Naquele momento, consideramos que a falta de jovens devia ser uma limitação nossa, seja por não saber a forma ou a linguagem adequada para comunicar nosso projeto com os mais novos”, declarou Claudio Ribeiro, durante abertura da live. O teólogo então, em nome do Memória & Utopia, propôs a um grupo representativo jovens, de diferentes vínculos cristãos, e a Frei Betto, o desafio de discutir o tema, o que foi prontamente aceito por todos.
A roda de conversas contou com a participação de cinco jovens lideranças religiosas do campo progressista, a teóloga católica Suzana Moreira (Movimento Laudato Si), a também teóloga feminista e pesquisadora Angélica Tostes (CESEEP), a comunicóloga e educadora social Dayane Zito (Católicas pelo Direito de Decidir), a jornalista e pastora Luciana Petersen (Novas Narrativas Evangélicas), o educador popular e ativista ambiental Paulo Sampaio (ISER), além de Frei Betto e Claudio Ribeiro.
A teóloga Suzana Moreira conduziu a conversa e enfatizou a importância da diversidade de vozes para a luta por libertação. Frei Betto, de início, explica seu lamento pela baixa participação juvenil nas diversas frentes progressistas e questiona a atual desarticulação dos movimentos estudantis em comparação com o período da ditadura militar. “Fico muito inquieto quando me perguntam: Onde está o movimento estudantil? Por que no Brasil não houve nenhuma mobilização de rua no momento do golpe contra a presidente Dilma [2016]? Alguma coisa nova está ocorrendo”, analisa. Segundo a avaliação de Betto, a juventude de hoje parece menos engajada politicamente do que em décadas passadas.
Angélica Tostes compartilhou sua experiência no recém realizado III Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (ENJEL) e destacou a precariedade econômica como um grande desafio para a militância jovem. Ela observou que a sustentabilidade financeira é um obstáculo significativo, visto que muitos jovens lutam para sobreviver economicamente. “Nunca vamos nos aposentar, nunca vamos comprar uma casa, falta sustentabilidade para militância”, lamentou.
Luciana Petersen reforçou a questão. “Quem consegue militar com sete empregos?”, desabafou ao lembrar do momento em que precisou enfrentar sete atividades remuneradas para conseguir sobreviver.
O educador popular Paulo Sampaio e a educadora social Dayane Zito também enfatizaram a necessidade de repensar as metodologias dos encontros para torná-los mais acessíveis aos jovens. A educadora observa que a precarização do trabalho atinge muitos e que a maioria se submete às múltiplas relações de trabalho por falta de escolha. Ela testemunhou que, por limitação financeira, optou por participar do ENJEL, com as juventudes, ao invés do encontro Fé e Política, onde participou Frei Betto. “Não fui porque sou assalariada, celetista, com carga horária de 40 horas”, explica.
Sampaio defendeu que o diálogo intergeracional não pode ser algo acessório, mas deve ser um caminho contínuo de transformação. O educador popular, junto com o monge beneditino Marcelo Barros, foi um dos escritores que reagiram à carta de Frei Betto. De acordo com o texto da dupla, o surgimento do Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (MEL), que hoje organiza os encontros do ENJEL, atribuiu-se ao diálogo intergeracional dentro do Grupo Emaús (articulação quarentenária de teólogos e teólogas da libertação, da qual participa Frei Betto).
Quando o assunto foi comunicação digital, preocupação compartilhada por Frei Betto, os participantes tiveram perspectivas distintas. Com trajetória semelhante à de muitos jovens religiosos, Luciana Petersen testemunhou que seus primeiros contatos com o ativismo por direitos ocorreram em grupos do Facebook. Foi na arena digital que ela começou a conhecer perspectivas libertadoras e descobrir novas referências de vida como a pesquisadora e jornalista Magali Cunha e o teólogo Ronilso Pacheco. “A gente não pode entender a comunicação nas redes sociais como mero detalhe ou algo narcísico. Sabe aquela velha história que ‘os jovens estão se perdendo’ nas mídias sociais?”, pondera a jornalista, que ainda faz um alerta, “as esquerdas estão ficando para trás”.
Ao reagir à questão, Frei Betto, reconheceu a desvantagem dos progressistas na arena digital. Ele concorda que o número de influenciadores dentro do campo das esquerdas é baixo e ainda está lutando por destaque nesses espaços. “Nós, progressistas, ainda não sabemos lidar com isso. A gente é amador”, acrescentou.
Contudo, não são apenas os mais velhos que precisam aprender a vencer antigos preconceitos. Day Zito trouxe um exemplo de uma senhora que, durante um evento com jovens religiosos, tentava com muita dificuldade postar um stories nas mídias sociais. Depois de vencida a batalha com o celular, e ao contrário do que se imagina, foi a “mais velha” que obteve maior engajamento na sua rede em relação aos jovens presentes na atividade.
O debate terminou com um consenso em torno de um tema significativo: a necessidade de interseccionalidade nas lutas sociais, ou seja, considerar as interações que se dão entre os diferentes marcadores sociais na vida das pessoas, como raça, gênero e outras desigualdades estruturais, em relação, no caso, à juventude. “Estamos num país fundado na escravidão. Temos igrejas racistas, com maioria branca e masculina. Isso não é trivial. São as pessoas negras que estão precarizadas, ‘uberizadas’, as mulheres negras… É por essas pessoas que a gente luta”, declara Luciana Petersen, ao destacar a questão racial na intersecção das pautas de jovens. ”Diversas pautas podem conversar, pois não estão separadas uma das outras e sim em intersecção”, finalizou.
Paulo Sampaio sublinhou o tema e citou o sociólogo peruano Aníbal Quijano para pensar a ideia de raça como elemento constitutivo da estrutura colonialista. “Discutir a questão de raça, da liberdade sexual, de gênero, ambiental, não é trivial. Quando chove aqui em Recife, é a casa da mulher preta que cai. Há outras desigualdades que atravessam nosso povo, não é apenas a econômica”, concluiu.
Angelica Tostes corroborou uma das abordagens de Frei Betto, quando disse que o grande inimigo a ser combatido é o capitalismo. Para a teóloga feminista, dentro dos movimentos religiosos a dimensão do capitalismo não está mais na pauta. Ela defende a urgência do debate sobre capitalismo e socialismo, caso contrário, não haverá futuro para nenhuma das lutas.
Participantes da roda de conversa também pediram mais acolhimento e proximidade com a juventude, e destacaram que é na divergência e na diferença que se constrói um movimento mais inclusivo. “Não dá para a gente julgar o que o jovem faz, o que ele escolheu ouvir, comer ou vestir. Quer ver alguém com poder de aglutinação? É só ver um funkeiro com celular na mão”, afirmou Day Zito. A educadora também pediu: “a gente precisa acolher a juventude estando perto. Sentindo o cheiro. Na minha religião, dizemos: sentir o cheiro das ovelhas”, finalizou.
Foi manifestação comum, entre as 67 pessoas que participaram ao vivo da roda de conversa, que este evento tornou possível um diálogo muito relevante para o tempo presente. Também foi consenso nos comentários, que o conteúdo apresenta uma pauta temática que precisa ser levada em conta não apenas para o diálogo intergeracional, mas por projetos, religiosos e não, que têm destacado a necessidade de dar protagonismo à juventude.
A roda de conversa on line foi gravada e pode ser assistida neste link.
Links da Carta Aberta de Frei Betto e as diversas reações publicadas na rede digital:
- Cabelos brancos, por Frei Betto
- Cabelos grisalhos, por Jorge Alexandre
- Pois é, Frei Betto, por Ruan Gomes
- Intrometendo-me na conversa de Ruan com Frei Betto, por Jung Mo Sung
- Levar a sério as juventudes e outras gerações, por Leon Patrick
- Nossas ideias, propostas e utopias envelheceram? Um diálogo com Frei Betto, por Flávio Lazzarin
- Cabelos brancos, grisalhos, negros e sem cabelos – “Somos todos e todas parentes”, Um diálogo entre Marcelo Barros e Paulo Sampaio de Souza
- O artigo de Frei Betto e as gerações com sinais trocados, por Rudá Ricci
Imagens: Reprodução do Youtube