A recente visita do Papa Francisco à ilha grega de Lesbos (16 de abril de 2016) sublinha uma página relevante na história das migrações. Os deslocamentos humanos de massa, pelo seu número, complexidade e diversidade, compõem hoje um dado estrutural da sociedade contemporânea. Quase três anos após a presença do mesmo Papa na ilha italiana de Lampedusa (8 de julho de 2013), as duas iniciativas somadas pretendem, nas palavras do Pontífice, combater os muros e estimular a construção de pontes. Lampedusa e Lesbos: dois pontos de chegada e de esperança para quem escapa do “inferno do passado”. Mas também lugares onde multidões de errantes contam os mortos devorados pelas águas e onde a demora e as condições de espera tornam-se não raro intoleráveis.
Aqui começam as contradições. A primeira de entre elas é que, de um lado, os fluxos de migrantres, prófugos e refugiados foge, caminha e pressiona, aos milhares, para abrir novas janelas às suas vidas, marcadas pela pobreza, a miséria e a fome, pela guerra e a violência. De outro lado, os governos e autoridades dos países da União Europeia (e o mesmo se poderia dizer de outras nações, como Austrália, Japão, Estados Unidos…), se apressam a fechar as fronteiras, erguer muros e barreiras, tornar mais rígidas as leis de imigração, delimitar a linha divisória entre os “nossos” e “extra-comunitários”. As reuniões e decisões entre os representantes do parlamento europeu são mais numerosas e retóricas do que reais e programáticas. Prevalecem indecisões, medos, ameaças à segurança nacional – “a cultura da indiferença”, para voltar às palavras do Papa. Prevalece, ainda, a confusão entre mobilidade humana, crime organizado e terrorismo.
Depois vem a contradição que emerge aos olhos do mundo com a teimosia e a persistência dos migrantes. Pouquíssimos se põem na estrada por aventura ou decisão própria. Inúmeros deixam atrás de si terras devastadas, famílias destruídas, um passado de ruínas, escombros e cinzas. Às vezes, até mesmo uma postura política que inviabiliza qualquer retorno, sob pena de perseguição e morte. A exemplo de verdadeiros profetas, denunciam, na origem, precárias condições de vida, absolutamente imcompatíveis com a dignidade humana e os direitos elementares de todo cidadão. Simultaneamente, pelo ato mesmo de migrar anunciam, no destino, o desejo de encontrar um chão que possa transformar-se em pátria sólida e sadia. Tentam desse modo estabelecer uma ponte para um futuro menos amargo e mais promissor.
Por fim, a contradição voltada para a incerteza do amanhã. Se é verdade que o horizonte é sempre uma linha fugitiva e nebulosa, lugar habitado pelo binômio mal-estar e fascínio, o será muito mais para os errantes de todos os tempos e lugares. O mal-estar encontra-se pavimentado pela fuga sem trégua, por problemas de documentação e embates com as autoridades, pela precariedade dos campos de refugiados, por uma infinidade de carências e desilusões. O fascínio, ao contrário, alimenta-se nas asas do vento, voando quilômetros à frente das próprias pernas, construindo o sonho de um trabalho estável, família reunida, endereço fixo, um refúgio de paz, cidadania – utopia evangélica da “cultura da solidariedade”, ainda segundo o Pontífice.
Resulta que o elevado e crescente número de migrantes, prófugos e refugiados, além de ser um termômetro de mudanças profundas e estruturais, constitui um “sinal dos tempos”. Sinal de contradição, mas também de renovação. Por uma parte, põe a nu uma economia globalizada que, a um só tempo, permite a concentração de riqueza e provoca a exclusão social. Renda e poder no topo da pirâmide social, a existência por um fio na base. Por outra parte, o movimento de migração representa sangue novo e oxigênio primaveril – fé e esperança – em sociedades que caminham a passos lentos mas inexoráveis para o outono/inverno, com fortes sintomas de senilidade e decrepitude.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma, 17 de abril de 2016