O Brasil é um país cada vez mais marcado pelo pluralismo cultural e religioso. Só no Distrito Federal, uma pesquisa recente descobriu a existência de mais de 700 diferentes denominações religiosas. Mesmo nos confins mais isolados do interior da Amazônia ou do sertão do Nordeste, em cada aldeia e povoado, convivem pessoas de crenças diversas. Durante séculos, as Igrejas tentaram converter os fieis de outras religiões à fé cristã. E como pensavam que os não cristãos estavam errados e o erro não tem nenhum direito de existir, muitas vezes, chegaram a usar de violência para forçar conversões. Há um pouco mais de 50 anos que, no Concílio Vaticano II, os bispos católicos de todo o mundo afirmaram que Deus chama os cristãos não para converter os outros ao Cristianismo e sim a que eles mesmos se convertam ao evangelho de Jesus. Eles devem dar testemunho disso através de uma postura de abertura ao diferente e de diálogo com os não cristãos. A verdadeira missão nada tem a ver com proselitismo e não deve jamais desrespeitar a consciência e a liberdade religiosa de ninguém.
De fato, a verdade é que Deus chama os cristãos, não a converterem as religiões à sua fé e sim a eles se converterem às outras religiões. Isso não significa renunciar à sua fé de origem, nem obriga ninguém a aceitar doutrinas de outros credos. Trata-se sim de ir amorosamente ao encontro das outras tradições espirituais para, juntas, testemunhar ao mundo ao amor divino. Essa nova compreensão da missão é vivida no diálogo sincero que busca valorizar o outro. Foi isso que Jesus fez ao curar o servo do oficial romano e ao encontrar a mulher samaritana. Ele lhe revelou: “não se trata de adorar a Deus em Jerusalém (no Judaísmo), nem nesse monte (na religião samaritana). Deus é espírito e verdade e deve ser adorado em espírito e verdade” (Jo 4, 21- 23).
Existem dois modos como tem sido vivido esse diálogo de comunhão entre as religiões. Um deles é o mais simples e comum. Acontece quando cristãos se encontram com budistas para aprenderem o que Deus diz a eles, cristãos, através da sabedoria budista. Assim, já no começo do século XX, um leigo católico francês, como Louis Massignon, procurava conhecer o Islã para dialogar e para, com aquele conhecimento, se tornar mais cristão. Um segundo jeito como se tem dado esse caminho de diálogo é o de cristãos que se inserem profundamente na espiritualidade do outro como um caminho de contemplação e encarnação da Palavra divina, sem deixar de ser cristãos.
Desde o começo do século XX e principalmente nos meados do século, vários cristãos, especialmente, monges católicos e padres decidiram viver na Índia e se inserir na espiritualidade hindu. Um deles, o padre Bede Griffis, foi abade de um mosteiro beneditino na Inglaterra. Ele escreveu: “Quanto mais me sinto hindu, budista, islamita e poderia ainda inserir-me em outra religião, mais me descubro profundamente cristão”.
No Brasil, desde os tempos da colonização e até hoje, em nome de Jesus Cristo, as religiões negras e indígenas têm sofrido discriminações e perseguições. Quase a cada dia, grupos que se dizem cristãos praticam atos de intolerância e discriminação contra lugares de culto e comunidades de religiões afrodescendentes. No entanto, muitas pessoas do povo se confessam cristãs e, ao mesmo tempo, são membros de comunidades de cultos afrodescendentes. Há quem condene esse sincretismo. Julgam por preconceito. De fato, não é bom confundir uma religião com a outra. Também não é aconselhável participar superficialmente de cultos, sem se inserir profundamente em nenhuma comunidade. Mas, muitos irmãos e irmãs conseguem fazer uma síntese e se integrar em duas tradições espirituais, de uma forma que enriquece a cada uma delas e as aproxima. A famosa Yalorixá Mãe Menininha do Gantois viveu profundamente a espiritualidade da religião dos Orixás e, ao mesmo tempo, era católica de comunhão frequente. Quando perguntada sobre isso, ela respondia: “As religiões não são marcas de refrigerante que competem uma com a outra. São idiomas que podem se complementar”. De fato, ela integrava em uma só fé os dois caminhos espirituais como alguém que fala bem dois idiomas e é capaz de, em qualquer um deles, viver um diálogo de amor profundo.
Nos anos 70, o padre François de l’Espinay, teólogo e espiritual francês, se inseriu espiritualmente na religião afro. Chegou a se tornar “Obá de Xangô” em um dos templos mais importantes do Candomblé de Salvador. Ali viveu como padre e membro da comunidade até morrer.
O evangelho diz que Jesus morreu “para reunir na unidade todos os filhos e filhas de Deus dispersos pelo mundo” (Jo 11, 52). Por isso, os discípulos e discípulas de Jesus consideram sua missão unir os mais diferentes caminhos espirituais no testemunho do projeto de um mundo de paz, justiça e comunhão com a Terra e a natureza. Todos somos chamados a viver isso.
Marcelo Barros