No dia 15 de janeiro, deu-se continuidade ao momento formativo do Curso de Verão 2018 com 7ª assessoria temática.
O biblista Sebastião A. Gameleira, bispo emérito da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, apresentou como eixo bíblico-teológico o tema “A crítica profética ao Rei, ao Templo e ao Império”.
Na Bíblia, Deus é entendido como princípio criador e consumador do mundo e da vida, mas sua ação não se dá no mesmo nível das coisas e das pessoas, suas criaturas. Na corrente sapiencial se percebe uma intuição: as coisas têm uma relativa autonomia para realizar os seus processos e diante destas realidades de vida, da sociedade e das relações humanas é que Deus nos revela sua presença misteriosa de salvador e de juiz.
A corrente profética é na Bíblia uma instância particular de julgamento e de comportamento da sociedade, sobretudo, dos grupos de pessoas poderosas; encontra-se também denúncia e a interpelação diante da alienação do povo.
Entre os séculos XIII e XI, a.C., o nome do povo de Deus era Israel, que significa “Deus luta, Deus vence”. Este povo era formado por grupos diversos: pastores da tribo de Canaã, grupos que estavam no deserto e o grupo de Moisés que chegava do Egito. Israel foi o único povo que se organizou e decidiu fazer uma sociedade sem Estado. Diferentes de outros povos que se organizavam por Estados. Formaram um complexo de tribos com características igualitárias, sem um Estado central. Não há diferenças de classes porque a liderança não tem privilégios a mais que os outros.
Quando as tribos se tornam Estado surge a crítica profética que rejeita o regime monárquico. Começam a aparecer pessoas nas tribos com mais poder aquisitivo. Basta lembrar a fábula de Jotão, mais conhecida como a ‘parábola das arvores’, para entender que o profeta denunciava o perigo do regime monárquico e anunciava que a guerra iria assolar a região nessa disputa para chegar ao poder.
Em relação ao século VIII, a.C., conhecido como o século de ouro da profecia, Sebastião fez uma breve consideração sobre os profetas: “Oseias diz Deus deu a vocês um rei no seu furor e o retira na sua ira. O Estado é o arco da ira de Deus”. Em Jeremias se destacam os conflitos em que o profeta está envolvido junto ao povo, a corte, o rei e suas tramas. São pelos dramas políticos ligados ao profetismo que vai surgindo uma corrente chamada de “os pobres do Senhor”. É Ela que vai guardar, junto com os profetas, proclamações que denunciam setores ou aspectos e anunciam novas possibilidades. Sebastião destacou também a importância das profetizas neste período, elas falam no gênero da poesia e são cantoras na Bíblia.
O período que se fala sobre o exílio babilônico se estende dos séculos VI ao V, a.C., e foi resultado de uma grande decepção com todas as instituições. A força do povo caiu sobre o Império da Babilônia, mas ao mesmo tempo este povo vislumbrava uma reconstrução. Nessa concepção de derrocada do regime, a experiência tribal está presente nos relatos do profeta Isaias. “É nele que encontramos a retomada da reflexão de que temos que buscar os tesouros na herança do passado, tentando retomar os fios que restavam ainda da herança tribal na tradição popular”, salienta.
Sebastião enfatiza que “para o povo que estava sofrendo com o exílio, era fundamental restaurar as memórias antigas porque sob o domínio do Império não se acreditava mais numa reconstrução”. O país não pode mais se organizar em torno do trono do rei, do templo, dos sacerdotes, dos escribas e intelectuais das leis,. A corrente profética de Isaías anuncia que o povo pode ressurgir do seu exílio a partir dos seus laços de clãs e tribos. Por isso a literatura pós-exílica é muito centrada na figura da mulher, porque o grande símbolo é a casa, símbolo dessa nova etapa de tentativa de reagrupar o povo, reatar os laços na sociedade de maneira horizontal. Visava à reconstrução do espaço público a partir do próprio povo.
Desafio político é o desafio da fé
“Quando falamos da ação de Deus no mundo usamos a expressão ‘Reino de Deus’, logo, se compreende o reino como uma categoria política, porque se trata do reinado de Deus”, considera Sebastião. Deste modo, o desafio político mais decisivo está na dicotomia entre o poder do Estado, como instância separada da sociedade porque está nas mãos dos poderosos, ou o poder político nas mãos da sociedade civil.
“Esta gritante realidade está sendo o nosso chão aqui no Brasil. Sabemos que o aparato estatal está cada vez mais tomando lugar do espaço público e não deixa prevalecer a organização popular. Buscamos diante da experiência traumática do povo bíblico, que diante do exílio e da sua própria desorganização, busca uma sociedade que tenha nas mãos a sua organização sem crer no trono e no templo mas, crendo fortemente em Deus que vence e dá a vitória ao seu povo”, enfatiza.
Sebastião encerra o primeiro dia de sua fala afirmando que “refletir sobre a história do povo bíblico, diante de tantos sofrimentos e conquistas, é um compreender as nossas decisões no hoje da história; pois cabe a cada um de nós continuar a permitir ou conceder, em cada eleição, que o Estado represente a sociedade como instância de decisão coletiva, fazendo com que a sociedade ocupe cada vez mais o espaço público”. Há uma necessidade de que as instituições sejam, no limite de suas utilidades, instrumentos de organização da sociedade para que elas não se tornem um comando separado, fazendo aquilo que o povo não deseja, gerando um “anti-reino” de Deus.
Assista, abaixo, a assessoria de Dom Sebastião Armando Gameleira: