A Organização das Nações Unidas (ONU) consagra o 15 de maio como “o dia mundial da objeção de consciência”. Infelizmente poucas pessoas sabem do que se trata. Objeção de consciência é a atitude de quem, por convicção religiosa, social ou política, se nega a pegar em armas e a participar de guerras e praticar atos violentos. Supõe desobediência a leis que ferem a consciência da pessoa ou a ética de um grupo.
O Direito internacional ensina que toda pessoa tem o direito e o dever de desobedecer, quando a ordem dada se opõe à sua consciência. Pelo fato de seguir ordens, ninguém deixa de ser responsável pelo que faz. Os tribunais internacionais condenaram soldados nazistas que, cumprindo ordens de oficiais superiores, torturaram ou mataram pessoas.
Obedecer vem do verbo latino obaudire que significa “escutar interiormente”. Então, a verdadeira obediência é a capacidade de escutar a palavra do outro, levá-la a sério, mas, depois, agir de acordo com a sua consciência. Ninguém deve cumprir ordens iníquas.
Em Israel, jovens recrutados ao serviço militar invocam a objeção de consciência para se negar a combater palestinos ou a queimar casa de pessoas pobres, ato comum perpetrado pelas tropas de ocupação israelita. Nos Estados Unidos, por objeção de consciência, muitos jovens se negam a invadir outros países e a agredir nas ruas negros e migrantes pobres. Diante do Congresso, militantes pacifistas foram presos por rasgarem publicamente o documento de incorporação militar.
Em alguns países, cidadãos exigem saber a destinação exata do pagamento de seus impostos. E não aceitam pagar impostos se o dinheiro for aplicado em sociedades que fabricam armas ou investem em negócios antiéticos. Em todo o mundo, há consumidores que não compram carne de fazendas que destroem florestas e dizimam a natureza.
De fato, no decorrer da história, a humanidade têm progredido mais pela ação de pessoas que desafiaram as leis do que através daquelas que simplesmente seguem os caminhos convencionais. Por muito tempo, homens e mulheres, admirados no mundo inteiro e premiados com o Nobel da Paz, em seus países eram considerados como rebeldes e desobedientes. No passado, Gandhi e Martin Luther King foram presos e condenados como desobedientes às leis. Na África do Sul, Nelson Mandela passou 20 anos na prisão como subversivo. Para os budistas tibetanos, o Dalai Lama, é a reencarnação do Buda da Compaixão. No entanto, para o governo chinês, é um dissidente, desobediente às leis. Na América Latina, o prêmio Nobel da Paz foi dado a Rigoberta Menchu, índia que, durante anos, viveu exilada do seu país e a Adolfo Perez Esquivel, advogado que, por muito tempo, foi ameaçado de prisão na Argentina. No Brasil dos tempos da ditadura, o arcebispo Dom Hélder Câmara, escutado no mundo inteiro, era censurado e considerado subversivo.
Em 1980, em El Salvador, Monsenhor Romero, canonizado como santo pelo papa Francisco, poucos dias antes de ser assassinado pela ditadura militar do seu país, pregava do alto do seu púlpito: “Peço aos soldados que desobedeçam e parem a violência, Não matem. Não torturem. Não cometam injustiças”.
Atualmente, de tal modo, o modelo democrático está em crise que, em países como os Estados Unidos, a Itália, Argentina e Brasil, o governo é ocupado por pessoas que se revelam sem escrúpulos. Não disfarçam o ódio, a discriminação a pessoas e grupos diferentes e sua admiração à violência. O presidente da República propõe que todas as pessoas possam ter armas, pais ensinem crianças a atirar e policiais tenham direito de matar quem lhes pareça suspeito. Por todo o país, se espalham atos de racismo, de violência contra a mulher e contra minorias sexuais. O ministério da educação pretende proibir o ensino da Filosofia e da Sociologia nas universidades. Nesse contexto, em nome da humanidade, todo cidadão tem obrigação de se posicionar contrário a que esses projetos perversos se concretizem. Não basta ser contra. É preciso lutar contra a loucura dessa farsa produzida pela Globo e outros grandes meios de comunicação que nos roubaram a democracia e nos conduziram à barbárie.
A violência, cometida por uma pessoa individual, ou pelo Estado, nunca construirá um mundo de paz e justiça. Nos mais diversos continentes, grupos religiosos e civis se negam a pegar em armas e exigem substituir treinamentos militares por ações pacíficas. Fazem serviço civil no lugar do serviço militar obrigatório e a lei reconhece esse direito.
A Constituição brasileira garante aos jovens o direito da objeção de consciência. Ninguém pode ser obrigado a fazer serviço militar ou, se é policial praticar violência contra outra pessoa. A ONU consagra essa semana para divulgar essa informação e tornar conhecido o direito que toda pessoa tem de se negar a obedecer a ordens injustas e iníquas.
Mais do que qualquer poder social e político, religiões e Igrejas deveriam reconhecer o direito à dissidência e à objeção de consciência diante de um poder religioso autoritário ou, por qualquer razão, injusto. Conforme a Bíblia, quando as autoridades de Jerusalém proibiram os apóstolos a falar no nome de Jesus, estes responderam: “Entre obedecer a Deus e aos homens, é melhor obedecer a Deus. Por isso, nós desobedecemos a vocês”(At 5, 29).
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.