“Examinei todas as ações que se fazem sob o sol:
tudo é vaidade e caça de vento,
torcedura impossível de endireitar,
perda impossível de calcular” (Ecl 1, 14).
Coélet é um livro pequeno, com doze breves capítulos. É dos menores da Bíblia, mas talvez o mais instigante e provocativo de todos.
Coélet é um demolidor de ilusões fáceis e há um refrão que perpassa o livro e sintetiza sua reflexão. Está no começo do livro e reaparece ao final para colocar um fecho ao seu discurso:
No primeiro parágrafo anuncia o autor:
“Vaidade das vaidades, diz Coélet, vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1, 2).
No capítulo final, recorda-nos de novo:
“Vaidade das vaidades – diz o Pregador -, tudo é vaidade” (Ecl 12, 8).
Alonso Schökel comenta este pensamento e a palavra “vaidade”, chave de leitura do livro pela insistência com que é retomada:
“A frase, quase literalmente, está no fim do livro (12, 8); portanto serve de moldura à série inteira de reflexões impares. A fórmula entrou na nossa literatura e temos de respeitá-la: “vaidade das vaidades”. O vocábulo hébel significa sopro, e, por translação, o que não tem substância, o vazio, o oco, o nada. A construção é uma espécie de superlativo – como “Cântico dos cânticos” significa “o melhor cântico”. Poderíamos traduzir como sopro ligeiro, suspiro leve, ou então, vazio completo, total falta de sentido, nada de nada…” (nota ao versículo 1, 2).
Ao longo do livro, o autor, encontra outras maneiras de expressar o mesmo pensamento, recorrendo à imagem da insana busca daquele se afadiga na ilusão de aprisionar o vento, seja pelo esforço da inteligência e do estudo, seja pelo suor do rosto ou pela habilidade de suas mãos.
Para aquele que se dedicou a investigar e a explorar com método, tudo o que se faz sob o sol, diz:
“a sabedoria e o saber são insensatez: Então compreendi que também isso é caça ao vento…” (1, 17).
Sobre este muito trabalhar e atarefar-se sem descanso para plantar, colher, construir, acumular riquezas, sentencia:
“Depois examinei todas as obras das minhas mãos e a fadiga que me custou realiza-las: tudo resultou em vaidade e caça de vento, nada se aproveita sob o sol” (2, 11).
Sobre a labuta do trabalho que resulta muitas vezes em rivalidade e desentendimento, repete: “Também isso é vaidade e caça de vento” (4, 4).
Acerca do poder e da ilusão de que se possa perpetuá-lo e repassá-lo, sem perturbação, de pai para filho, adverte:
“Também isso é vaidade e caça de vento” (4, 16).
Muitas de suas frases curtas e cortantes foram apropriadas por todos os que se sentem perplexos diante do mundo, de suas injustiças, desigualdades e sofrimentos e lançam um olhar cético sobre a realidade.
Muitas dessas tiradas tão incisivas passaram para a sabedoria popular e são retomadas, sem que se suspeite, porém, de sua origem. É provável que algumas delas já fizessem parte daquela sabedoria que o tempo ensina e que avós transmitiram a seus netos e netas, até que o autor do Cohélet delas se apropriasse e as burilasse num linguajar mais fino e elaborado.
Recolhermos algumas delas, tão certeiras, que a elas recorremos instintivamente, para expressar nosso sentir e nosso pensar:
“Todos os rios caminham para o mar, e o mar não se enche; chegados ao lugar para onde caminham, daí voltam a caminhar” (1, 7).
“Não se fartam os olhos de ver, nem os ouvidos de escutar” (1, 8).
“Nada de novo sob o sol” (1, 9b).
“ … em mais sabedoria, mais pesar, e aumentando o saber, aumenta o sofrer” (1,18).
– “Todos caminham para o mesmo lugar, todos vêm do pó e voltam para o pó” (3, 20)
“Ai! Há de morrer tanto o néscio quanto o sábio” (2,16).
“Melhor dois juntos do que alguém sozinho… Se um cai, o companheiro o levanta” (4, 9).
“Melhor não fazer promessas, que fazê-las e não cumprir” (5, 4).
“Como saiu do ventre de sua mãe, assim voltará: nu; e nada levará do trabalho de suas mãos” (5, 14).
“É melhor boa fama que bom perfume” (7, 1).
“É melhor escutar a repreensão de um sábio do que escutar o elogio de um néscio” (7, 5).
“As pressões perturbam o sábio, e o suborno lhe tira o juízo” (7, 7.)
“É melhor paciência que arrogância” (7, 8).
“Não perguntes: Por que os tempos passados eram melhores que os de agora. Isso um sábio não pergunta” (7, 10).
“Na minha vida, vi de tudo sem sentido: gente honrada que fracassa por sua honradez; gente perversa que prospera por sua perversão” (7, 15).
“Não há no mundo ninguém tão honrado, que faça o bem sem nunca pecar” (7, 20).
“Vale mais manha do que força” (9, 16).
“Uma só falha, estraga muitos bens” (9, 9, 18b).
“Quem cava uma cova, nela cairá” (10, 8).
“O sábio ganha estima por suas palavras, o néscio se arruína pelo que fala” (10, 12).
“De tanto olhar os ventos, não se semeia; de tanto se olhar as nuvens, não se colhe” (11, 4).
O editor que recolheu os ditos de Cohélet acrescentou uma conclusão e nos dá um conselho para arrematar o livro:
“Em conclusão e, depois de ouvir tudo, teme a Deus e guarda seus mandamentos, porque isso é ser homem, pois Deus julgará todas as suas ações, também as ocultas, boas e más” (12, 13).
José Oscar Beozzo
jbeozzo@terra.com.br