Uma reflexão palestina sobre entrar no Tempo do Advento.
PELO TERCEIRO ano consecutivo, o Advento na Palestina não é uma época de alegria. Mesmo com o frágil cessar-fogo, o Advento é vivido à sombra do genocídio, dos muros, dos postos de controle, da limpeza étnica, da expropriação e do medo.
Para muitos palestinos, esses dias de espera e preparação são ofuscados pelo luto pelos entes queridos perdidos, pelas casas demolidas, pelas terras tomadas. Na própria Belém, onde a história cristã começou, as ruas que deveriam estar cheias de música e luz estão carregadas de tristeza e lamento. Os hinos de espera se misturam com os gritos dos enlutados, deslocados, presos e famintos.
Na terra onde o evangelho de Jesus se revelou pela primeira vez, a proximidade do Advento é muito real. A história do Natal não parece conforto, abundância e “brinquedos em todas as lojas”. A narrativa original se assemelha muito mais aos tempos em que nós, palestinos, vivemos atualmente.
A história da Natividade é a de uma família forçada a fugir de massacres e de uma criança colocada numa manjedoura porque não havia lugar na estalagem. Na nossa terra, onde o espaço é negado e o pertencimento é contestado, esta história não é história remota. Pelo contrário, reflete a nossa realidade atual. O Natal não é uma festa superficial, nem um espetáculo consumista, mas uma esperança nascida no meio da instabilidade, da insegurança e do sofrimento.
O Natal é para os oprimidos. É para aqueles que conhecem o exílio e a amargura da fome. O canto de paz dos anjos não foi ouvido pela primeira vez em palácios reais ou salões do poder governamental, mas nos campos dos pastores.
A Encarnação, o nascimento de Deus entre nós, não é uma ideia, não é uma abstração distante. Ela se mantém na realidade da carne e do sangue. É a encarnação de Deus como um judeu palestino sob a ocupação romana, compartilhando a identidade dos oprimidos e vivendo entre eles. Jesus nasce na pobreza, filho de um povo oprimido.
A boa nova do Natal proclama que o salvador do mundo é também o companheiro dos povos crucificados da história.
A escolha de Deus é sempre estar com aqueles que o mundo rejeita. A presença de Deus não está alinhada com nenhum império, nem com os poderes que dominam e destroem. Deus está entre os quebrantados de coração e aqueles que anseiam pela libertação. É por isso que a Natividade não pode ser separada da Cruz. A criança nascida em Belém já é o Cristo que será levantado no Gólgota
E depois há a manjedoura.
Lucas nos conta que Maria “deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura” (2:7). Uma manjedoura é um comedouro para animais, um lugar onde se coloca comida. O profeta Isaías escreve que “o boi conhece o seu dono, e o jumento o manjedoura do seu senhor” (1:3). O relato de Lucas insiste que não havia lugar na hospedaria (katáluma ou quarto de hóspedes), nenhum lugar adequado para a criança nascer.
Mais tarde, no evangelho de Lucas, quando Jesus se prepara para enfrentar a cruz, ele diz aos seus discípulos para procurarem o cenáculo onde eles, como hóspedes, comerão a Páscoa (22:11-12). A mesma palavra grega para quarto de hóspedes (katáluma) liga o início e o fim da vida terrena de Jesus. Lucas quer que façamos a conexão entre a Encarnação e a crucificação, entre a criança colocada onde pertence a comida e Aquele que se dará como pão e vinho.
Maria é, nesse sentido, uma profeta. Ao colocar Cristo numa manjedoura, ela já está declarando quem ele se tornará: alimento para os famintos, pão para a vida do mundo. Na noite anterior à sua crucificação, Jesus pega o pão e diz: “Este é o meu corpo, entregue por vós”. Mas as ações de Maria em Belém são a primeira proclamação dessa verdade. Ela oferece Cristo a um mundo faminto, colocando-o em um lugar destinado à comida. O bebê envolto em panos já é o pão da vida para todos os que têm fome de justiça.
Como podemos então celebrar o Natal em tempos de tanto sofrimento?
Celebramos o Natal verdadeiramente quando nos unimos ao ato profético de Maria. Celebramos o Natal quando participamos na alimentação dos famintos, no conforto dos quebrantados de coração, na elevação dos oprimidos.
Receber o Menino Jesus é compartilhar quem ele se torna, compartilhar sua missão. Entramos humildemente no estábulo quando partimos o pão da vida em lugares de desespero, encarnamos a solidariedade com os feridos, vivemos de tal forma que a esperança não se extingue.
Este é o significado do Natal na Palestina. Em meio a uma escuridão tão profunda que não temos ideia de para onde estamos indo, proclamamos que a luz amanheceu. Durante um desespero tão profundo que somos incapazes de nos resgatar, proclamamos que Deus está conosco. Este é o significado do Natal onde quer que as pessoas clamem por libertação.
John Munayer
John Munayer é um teólogo palestino de Jerusalém, envolvido com ativismo inter-religioso.
Samuel Munayer
Samuel Munayer é um teólogo palestino de Jerusalém e trabalha em uma organização humanitária que atua em Gaza e na Cisjordânia.
Publicado originalmente em inglês. Traduzido por Angelica Tostes e Suzana Moreira: https://sojo.net/magazine/december-2025/christmas-oppressed



