A cada 31 de outubro, as Igrejas evangélicas celebram o “Dia da Reforma” e a própria Igreja Católica recorda o princípio medieval invocado por Lutero em 1517: A Igreja deve sempre se renovar.
Atualmente, tanto na Igreja Católica, como em várias Igrejas evangélicas, muita gente sente a necessidade de uma renovação profunda na forma de compreender a fé cristã e também sobre a missão e o modo de organizar a própria Igreja.
Em todas as Igrejas, se debatem questões de gêneros e o desafio do diálogo da Igreja com o mundo. Tanto na Igreja Católica, como mesmo nas Igrejas evangélicas que nasceram da Reforma do século XVI, muitos fieis e ministros estão convencidos de que toda a Igreja precisa de uma nova reforma.
Não sabemos qual a proporção de católicos e evangélicos favoráveis ao processo de renovação e quantos se posicionam contra quaisquer propostas de mudança. As Igrejas estão divididas e a divisão não é mais entre instituições. Ela acontece entre pastores e fieis dentro da mesma Igreja.
Diz respeito à compreensão da fé, a missão e a postura diante do mundo e da Política. No Brasil, nessas eleições presidenciais, em todas as Igrejas e dentro de cada uma delas, fieis e ministros se colocaram em posições opostas e antagônicas.
Apesar de não ter se posicionado para o primeiro turno, ao menos para o segundo, a presidência da CNBB se pronunciou claramente pela Democracia e contra candidaturas que defendem violência e discriminações sociais. Já antes do primeiro turno, a presidência da CRB (Conferência dos Religiosos/as do Brasil) emitiu um pronunciamento claro na mesma direção.
Na Igreja Católica, a norma tradicional de que a Igreja não assume postura partidária foi totalmente desrespeitada. Apesar disso, alguns bispos, muitos padres e vários movimentos leigos desrespeitaram claramente a norma e fizeram campanha pelo candidato das elites empresariais, do mercado e da indústria de armas.
Desses, muitos revelaram claramente o ódio à esquerda. Por que fizeram essa escolha, deve ser tema de um estudo mais profundo de como as Igrejas cristãs puderam chegar a esse ponto.
É triste que, no Brasil, a Igreja Católica que, em outros tempos tinha líderes como Dom Helder Camara, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Tomás Balduíno e tantos outros profetas, dê agora ao mundo o testemunho de que diversos bispos e muitos padres até um cardeal tomaram posição contrária aos direitos humanos e à Democracia.
Certamente alguns apoiaram o candidato da extrema direita porque não ligam fé e compromisso social e político. Ao mesmo tempo que se proclamam muito religiosos, essa espiritualidade parece não ter nada a ver com a postura social e política que tomam.
No caso de bispos e pastores pentecostais, muitos fazem isso por interesses comerciais e institucionais a preservar. Nenhuma preocupação com o bem do povo. A questão única é qual candidato favorecerá mais a sua Igreja e aos interesses comerciais do próprio bispo.
No entanto, será que um cardeal e vários bispos católicos também agem assim? Conforme a imprensa, ao menos alguns deles declararam que votam em qualquer candidato por pior que seja para o povo, desde que assuma o compromisso de não mudar as leis contra aborto e união gay. O candidato pode fazer guerra e praticar todo tipo de violência, mas é chamado de “defensor da vida”.
Até hoje, mais de 70 anos depois, os católicos da Alemanha sabem que, no tempo do Nazismo, muitos padres e bispos apoiaram Hitler e, ao menos no início, fizeram acordos com ele.
Na França, a maioria do episcopado católico colaborou com as forças alemãs que ocuparam o país e o governo fantoche que presidiu a França naquele tempo. Na Alemanha, a Igreja que se colocou como “confessante” e na resistência era uma minoria.
O mais triste é que essa realidade da Igreja Católica no Brasil acontece em um momento no qual, no mundo todo, essa Igreja se debate com uma das maiores crises de sua história. Os escândalos morais chegaram até as cúpulas e exigem mudanças radicais.
Bispos e até cardeais são destituídos dos seus cargos. Por outro lado, o próprio papa enfrenta uma oposição cerrada, como nenhum outro papa dos tempos contemporâneos sofreu. Repetidas vezes, Francisco tem afirmado que por trás dos abusos e do sistema que os favoreceu, está o Clericalismo, doença grave da fé.
Provavelmente, é essa mesma doença que faz alguns bispos e muitos padres tomarem posição contra o próprio evangelho de Jesus. Eles não têm escrúpulos em ajudar o povo desinformado a votar contra si mesmo, escolhendo alguém que, de todas as formas, vai oprimi-lo.
É o mesmo grupo eclesiástico que se coloca contra o papa Francisco e quer impedir qualquer reforma que ameace o poder sagrado que ostentam. Diante disso, o evangelho chama as pessoas mais conscientes à lucidez da profecia e da resistência.
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.
Muito obrigado pela reflexão. Concordo que está na hora de uma nova reforma da Igreja. Sobre a posição da Igreja católica nessas eleições, tive a impressão que nossa Igreja tem ainda medo de assumir um posicionamento claro, não entre as linhas. Muitos cristãos que esperavam uma orientação clara da hierarquia ficaram decepcionados.