Historiador e partícipe de todo o processo de organização da Conferência Episcopal realizada em Puebla, no ano de 1979, Pe. José Oscar Beozzo não pode escrever no libro PUEBLA: IGREJA NA AMÉRICA LATINA E CARIBE. OPÇÃO PELOS POBRES, LIBERTAÇÃO E RESISTÊNCIA, publicado pelas Editora Vozes (2019).
À época de sua elaboração estava em tratamento de saúde. Acometido por câncer linfático em 2018, teve a boa notícia de estar livre da doença que enfrentou com serenidade e fé na cura.
Os organizadores do livro, Ney de Souza e Emerson Sbardelotti, prestaram a ele uma homenagem, com um breve texto escrito pelo Prof. Wagner Lopes Sanchez (p.41-43).
Homenagem ao Padre José Oscar Beozzo, compromisso com a caminhada da Igreja dos pobres.
Wagner Lopes Sanchez
Puebla vai associar ao próprio Cristo os rostos dos que no passado e no presente do continente sofrem miséria e fome…
José Oscar Beozzo
No início do ano letivo de 1979, na Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, eu, começando o curso de teologia, participei de um evento que tinha por objetivo apresentar o Documento de Puebla. O Padre José Oscar Beozzo, que acompanhou a Conferência de Puebla in loco, foi convidado para falar aos estudantes sobre o tema. Ele fez parte do grupo de teólogos que, instalados próximos do local de reunião da Conferência, assessoravam alguns dos bispos fornecendo subsídios para a elaboração do Documento.
Fiquei impressionado com a clareza da exposição, com os diferentes aspectos do documento que foram apresentados e, sobretudo, com a apresentação dos meandros dos bastidores da Conferência de Puebla, realizada em 1979, e com a riqueza de detalhes do trabalho e da articulação dos teólogos que procuraram garantir que o Documento de Puebla expressasse minimamente a caminhada da Igreja latino-americana desde Medellín. Sua exposição revelava a cumplicidade com a caminhada dos pobres na América Latina.
Aquele evento marcou-me profundamente. Em primeiro lugar, porque forneceu os elementos que eu precisava para compreender criticamente o evento Puebla; em segundo, porque me permitiu conhecer o Padre Beozzo pessoalmente, para além dos textos. Fiquei admirado pelo seu profundo conhecimento da história da Igreja e pelo seu compromisso inegociável com a caminhada da Igreja na América Latina.
Alguns anos mais tarde, fui convidado para secretariar a II Conferência Geral de História da Igreja na América Latina e no Caribe, que foi realizada na PUC-SP, no ano de 1995, e que foi brilhantemente dirigida por ele na condição de presidente da Comissão de História da Igreja na América Latina – CEHILA. Desde então, pude acompanhar de perto o trabalho intenso, competente e dedicado do Padre Beozzo.
José Oscar Beozzo nasceu em Santa Adélia, SP, em 14 de janeiro de 1941, filho de Gessy Martins Beozzo e Oscar Modesto Duarte Beozzo, numa família de 8 filhos. Ordenado padre em 1964, é membro do clero da Diocese de Lins, Estado de São Paulo, e vigário na Paróquia São Benedito, em Lins, SP. Atualmente reside na cidade de São Paulo, mas mantém vínculos muito estreitos com a sua Diocese e com a referida paróquia.
Sua formação em teologia na Universidade Gregoriana (Roma) e em ciências políticas e sociais na Universidade Católica de Louvain, onde concluiu o mestrado em sociologia da religião (Les Mouvements Universitaires Catholiques au Brésil: Aperçu historique et essai d’interprétation), em 1968, fizeram dele um intelectual competente e sério e, ao mesmo tempo, atento aos problemas da realidade latino-americana.
Sua tese de doutorado, defendida em 2001, em História Social, na Universidade de São Paulo, com o título Padres conciliares brasileiros no Concílio Vaticano II: Participação e prosopografia – 1959-1965. Foi publicada parcialmente pela Editora Paulinas, com o título A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II (1959-1965), e se tornou uma referência para os estudos sobre a recepção do Concílio Vaticano II na Igreja Católica no Brasil.
Foi responsável pela edição brasileira da História do Concílio Vaticano II (volumes 1 e 2), Editora Vozes, obra coordenada pelo historiador da Igreja italiano Giuseppe Alberigo. Essa é uma obra clássica (de cinco volumes) sobre o Concílio Vaticano II e que reuniu historiadores de diversos países.
Ao longo dos anos tem produzido livros e artigos de grande relevância sobre a história da Igreja na América Latina e Caribe sobre teologia, resultado de suas pesquisas em favor de uma Igreja atenta aos desafios históricos de cada época. A temática central desses livros e artigos tem sido a recepção do Concílio Vaticano II na América Latina sempre numa perspectiva ecumênica.
Em 1982 fundou, juntamente com outros teólogos, cientistas sociais, pastores, religiosas, padres e bispos, o CESEEP, que se tornou referência em educação ecumênica e popular na América Latina e Caribe. Já formou milhares de agentes de pastoral e de lideranças populares de países latino-americanos, caribenhos e africanos. Como coordenador geral do CESEEP, desde a sua criação, acompanhou intensamente cada passo do seu desenvolvimento e sempre primou pela formação consistente e séria, seja do ponto de vista teórico quanto metodológico.
Um dos trabalhos dessa instituição que ele sempre realizou com muito esmero foi a organização da Coleção Teologia Popular, publicada pela Editora Paulus, que a cada ano publica os textos dos assessores do Curso de Verão, um dos cursos do CESEEP que, em 2019, realizará a sua 32ª edição.
É um dos articuladores do Grupo de Emaús, criado em 1974, que reúne teólogos e cientistas sociais comprometidos com a caminhada da Igreja latino-americana. Durante muitos anos fez parte da Comissão Ampliada Nacional de CEBs, no Brasil.
A produção acadêmica e o compromisso ecumênico de José Oscar Beozzo revelam um intelectual atento aos grandes problemas do seu tempo, preocupado com a realidade dos excluídos e com grande sensibilidade para as questões oriundas do mundo popular. Em resumo, é um intelectual com um pé no mundo acadêmico e outro na realidade dos movimentos populares e das pastorais sociais, colocando suas competências e seu conhecimento a serviço dos pobres e de uma Igreja solidária.
A produção historiográfica da Igreja latino-americana nos últimos quarenta anos deve muito ao Padre Beozzo, historiador sintonizado com os sinais dos tempos e engajado nas lutas pela transformação da sociedade.
Sua capacidade de análise da realidade, sua visão de futuro, sua persistência na luta, sua fé em Deus, sua abertura ao diálogo e convivência fraterna com pessoas de diferentes igrejas e religiões e a crença na possibilidade de construção de outro mundo possível, mais justo e solidário, contagia quem está ao seu redor.
Desde agosto de 2018 está sendo submetido a tratamento intenso para vencer o câncer linfático pelo qual foi acometido. Tem percorrido esse caminho com confiança, perseverança, bravura e serenidade.
Ao professor, padre e amigo Beozzo, nossa homenagem e gratidão pelo que tem nos oferecido. Gratidão pelo seu testemunho eclesial, sua lucidez e sabedoria e pelo seu compromisso com a Igreja dos pobres.